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A regulação é inimiga da inovação?

Isac Costa*


A implosão do submarino Titan da OceanGate é um desses eventos marcantes, com lições que parecem ser valiosas, mas que costumamos esquecer logo em seguida. Nesse texto, exploro e extrapolo essas lições para o mercado financeiro e o recorrente argumento de que a regulação pode sufocar a inovação.


Esmagado pela pressão no abismo onde jaz o Titanic, o submarino fora antes alardeado como um novo feito da engenharia, supostamente utilizando tecnologias tão avançadas que tornariam desnecessário e ineficaz qualquer processo de homologação. Ainda, qualquer entidade certificadora não seria capaz de compreender as tecnologias envolvidas, pelo menos na concepção da empresa que o fabricou, em face do apelo de especialistas sobre os riscos envolvidos.


Em retrospecto, é fácil concluir que se tratava de uma tragédia anunciada. No entanto, será que não estamos diante de discursos e riscos semelhantes em áreas mais próximas ao nível do mar?

É comum nos depararmos com o questionamento sobre a necessidade de regulação e processos burocráticos para que um banco, uma corretora ou uma bolsa possa funcionar, ou para uma empresa vender seus títulos e ações ao mercado. Nesses casos, sequer haveria risco de morte e o Estado paternalista não seria o melhor juiz da alocação de recursos pelos investidores. Por que exigir um regime de registro e autorização prévia? Apenas para coletar taxas e impor custos irracionais de sistemas de conformidade e integridade?


Há mérito no argumento de que a regulação pode sufocar a inovação. De fato, qualquer regulação impõe um “atrito” no movimento dos agentes de mercado. Contudo, a pergunta que precisamos responder é: qual a consequência que desejamos quando as coisas dão errado?


Não há resposta certa a essa pergunta, mas há duas certezas. 

Primeiro, de nada adianta aguardar a tragédia e, em meio ao clamor midiático, cobrar a punição (ineficaz) dos envolvidos – nesse caso o dano será muito difícil de reparar.

Segundo, não é fácil antever os riscos e projetar mecanismos regulatórios para lidar com os riscos quando o mercado se desenvolve em um ritmo mais acelerado.


Assim, seja para fintechs, para as empresas da criptoeconomia ou para a inteligência artificial ou outros temas de fronteira, os debates regulatórios tendem a ser vazios e a se concentrar em questões que nem sempre são as mais importantes em termos práticos. Projetos de lei, artigos, coletâneas, livros, dissertações e teses pedalam em falso, fazendo malabarismos com princípios de conteúdo amplíssimo e um fetiche por normas cuja aplicação envolverá dificuldades sequer cogitadas.

Diante de tamanha complexidade, creio que podemos sempre nos amparar nos seguintes mecanismos ou vetores regulatórios:

Critério de incidência – qual será o fato afetado pelas normas jurídicas (p. ex. a prestação de serviços de ativos virtuais ou relativos à inteligência artificial, a oferta de valores mobiliários etc.);


Autorização prévia – imposição de restrições ao livre exercício de uma atividade (registro prévio com exigência de requisitos, p. ex.).

Transparência – dever de divulgar informações periódicas e eventuais ou se submeter a auditorias.

Salvaguardas – mecanismos de identificação e mitigação de riscos, inclusive proteção ao consumidor, ao patrimônio de investidores e à estabilidade financeira.


Enforcement – regras de conduta, vedações e responsabilidades, bem como quem aplicará as normas (fiscalização e sanção).


Quando substituímos o termo genérico “regulação” por esses vetores, fica muito mais claro que, para inovar com segurança, não há como prescindir da regulação e que os objetivos pretendidos excedem interesses arrecadatórios ou a imposição de barreiras de entrada injustificadas.


Para que a liberdade econômica seja plena, ela precisa ter limites bem definidos. E não há inovação tão disruptiva que prescinda da avaliação do seu impacto na sociedade, sob pena de, uma vez em ação, implodir e desparecer no abismo.

*Isac Costa é sócio de Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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