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Verão cripto: o que podemos ver em 2024?

O mercado de criptoativos teve sua gênese marcada por um desencanto com o sistema financeiro tradicional e a intervenção estatal na economia. No ocaso de 2023, após a retomada da valorização das cotações, espera-se um influxo da ordem de US$100 bilhões em decorrência da aprovação de fundos negociados em bolsa (ETFs) de criptoativos, viabilizando a entrada de investidores institucionais. Ironicamente, os protagonistas do sistema financeiro tradicional, antagonistas de outrora, são a esperança para o aumento da escala do mercado de criptoativos.

Some-se à maior segurança jurídica atribuível aos ETFs o interesse dos Estados em criar seus próprios projetos de moedas digitais, como é o caso do Drex no Brasil. Em conjunto com o Banco Central, diversas empresas investigam usos do “dinheiro programável”, uma aposta de evolução do sistema de pagamentos brasileiro.

Nas últimas semanas, voltamos a ver manchetes como “saiba qual a criptomoeda que subiu 400% e ainda irá subir mais” ou “como dobrar seu portfólio com criptomoedas”. Influencers, gurus, vendedores de cursos e congêneres ganham novo fôlego após a hibernação durante o inverno cripto de 2022. O calor do verão cripto é inegável, contrariando o ceticismo de muitos no final do ano passado.

Em meio ao ruído das redes, a CVM divulgou Edital de Consulta Pública sobre influenciadores no mercado de capitais, após ter publicado um estudo sobre o tema no início do ano. Apesar das inúmeras crises e escândalos de pirâmides financeiras, a memória do mercado é curta e novos golpes não tardarão a ocorrer. Ao que tudo indica, o carisma de influencers e os vieses comportamentais dos investidores formam uma mistura perfeita para a venda da miragem de liberdade financeira. As pessoas, guiadas por ingenuidade, esperança ou desespero exercem seu direito de serem tolas e, hipossuficientes informacionais, são feitas de tolas.

Desde o surgimento do mercado de criptoativos, à margem do sistema financeiro tradicional, fala-se em sua regulação, de modo a mitigar problemas como a assimetria de informação (ex. caso dos investidores sem educação financeira), a criação de externalidades negativas (ex. gasto de energia elétrica) e o abuso de poder econômico (ex. distorções concorrenciais).

Uma parcela significativa do setor entende que a regulação é o caminho para propiciar segurança jurídica e o desenvolvimento da criptoeconomia, promovendo a convergência entre instituições incumbentes e novas empresas. Com isso, seria possível concretizar os benefícios potenciais das tecnologias de registro distribuído para a desintermediação e modernização das infraestruturas de mercado financeiro.

Após os processos envolvendo a FTX e a Binance, a parcela do setor que é contrária à intervenção estatal parece ter sofrido um choque de realidade. O sonho (ou utopia?) de um sistema financeiro supranacional que assegure a plena liberdade nas transações teve que ser adiado em virtude de problemas atribuíveis à própria tecnologia, tais como as dificuldades na experiência de usuário para a custódia de criptoativos e realização de transação sem intermediários, a demora no alcance de um nível adequado de escalabilidade e, sobretudo, a inexistência de casos de uso com adoção em massa pelo público em geral.

A descentralização pode ser benéfica para diversos setores além do mercado financeiro, notadamente quando é preciso compartilhar dados com segurança entre organizações e pessoas que não necessariamente confiam entre si. Contudo, sistemas de identificação, registros de bens móveis e imóveis, controle de insumos em cadeias de suprimentos e outros casos de uso, ainda não tiveram um “momento ChatGPT” no tocante à tecnologia blockchain.

Enquanto empreendedores seguem na sua jornada para desenvolver – e viabilizar – esse novo mercado, o ano de 2023 termina com a Consulta Pública nº 97, publicada pelo Banco Central. Em vez de adotar o modelo tradicional de propor minutas de normas, acompanhadas de uma exposição de motivos, o regulador dos ativos virtuais no Brasil optou por solicitar subsídios ao mercado por meio de questionamentos sobre os temas que considerou ser mais relevantes.

Esses temas envolvem a segregação e proteção dos recursos dos investidores (segregação patrimonial), a delimitação do escopo dos serviços prestados (mitigando conflitos de interesses), a terceirização de serviços de tecnologia (contratação de serviços essenciais), mitigação de riscos e prevenção a práticas abusivas (manipulação de mercado, lavagem de dinheiro etc.).

Por ora, a despeito da vigência da Lei nº 14.478/2022, dos pronunciamentos da CVM e dos esforços iniciais do Banco Central, ainda persistem incertezas significativas para o aumento da escala de participação de instituições tradicionais. Vivemos, assim, uma fase experimental, apesar das cifras já desembolsadas, relevantes em valor nominal, mas ainda pouco expressivas, quando comparadas com números do mercado tradicional, no tocante ao volume de captações e negócios.

Em 2024, veremos se a criptoeconomia irá se desvencilhar, de uma vez por todas, da criptomania focada em tokens vazios e transações caça-níqueis em busca de valorizações expressivas em períodos curtos. Instrumentos financeiros devem ter uma função econômica, auxiliando na alocação de recursos, na permuta de riscos e no financiamento da produção, sob pena de se desnaturarem em fichas de cassinos ou bilhetes de loteria. Isso vale tanto para o mercado de capitais tradicional como para o mercado de criptoativos.

*Isac Costa é sócio de Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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