news-29-2024

O que a nova onda de inteligência artificial traz para o mercado financeiro?

Isac Costa*

A recente euforia em torno da inteligência artificial (IA), impulsionada pelo lançamento do ChatGPT, é um momento relevante para no setor tecnológico e financeiro. A IA tornou-se prioridade para as empresas, com 85% delas priorizando a implementação de IA nos próximos anos, prevendo um mercado que poderá expandir para US$ 1,3 trilhão até 2032, de acordo com a BlacRock. O ChatGPT alcançou impressionantes 100 milhões de usuários ativos semanais. Grandes tecnologias como Google, Apple, Amazon, Meta e Twitter/X também estão investindo maciçamente em IA para não perder a nova onda e, ao mesmo tempo, impulsioná-la.

De acordo com a CB Insights, o montante de investimentos em empresas de IA em 2023 pode ser estimado em US$ 77,4 bilhões, um aumento de 30% em relação a 2022. Em janeiro, a Microsoft investiu US$ 10 bilhões na OpenAI, a qual buscará um IPO com valuation de US$ 86 bilhões. Databricks e Anthropic são outras empresas que captaram montantes vultosos e possuem valuations de dezenas de bilhões de dólares. A Humane, fundada por dois ex-funcionários da Apple, irá lançar o AI Pin, um dispositivo semelhante ao computador do filme Her (de 2013, com Joaquin Phoenix), após ter recebido investimentos de R$ 240 milhões.

As ações da Nvidia, um proeminente fabricante de chips, valorizaram mais de 200% no ano. A empresa, foi beneficiada pela alta demanda por processadores essenciais para treinar modelos de IA. Em paralelo, a Arm Holdings, fabricante de chips e igualmente beneficiária do boom da IA, abriu capital (apesar da “seca” de IPOs neste ano) a um valuaton de US$ 54,5 bilhões.

Em meio a tanto barulho e cifras astronômicas, penso que a melhor forma de buscar respostas sobre o sentido e o alcance da IA no mercado financeiro é substituir o adjetivo “artificial” por “ampliada” (augmented), buscando não como a IA irá substituir os agentes de mercado, mas sim como a tecnologia ampliará nossa capacidade de coletar, verificar, analisar e utilizar dados. Esta abordagem nos leva a um inventário de possibilidades sem pretensões de esgotar o tema, explorando as aplicações da IA no mercado financeiro.

No campo dos produtos financeiros, a IA possibilita a criação de ativos relacionados a empresas do setor, abrangendo ações, títulos de dívida e ETFs temáticos. Além disso, por meio da IA, já estão sendo oferecidos produtos de recomendações de investimentos (nova geração de robo advisors, com destaque para Vanguard, Financial Engines e Schwab) e modelos mais sofisticados para gestão de riscos – campo no qual são exemplos as iniciativas das empresas Enova (para análise de risco de crédito para pequenas empresas e pessoas físicas), Ocrolus (verificação de documentos) e DataRobot (detecção de fraudes em cartão de crédito).

No tocante ao uso de IA para a gestão de fundos, o CFA Institute já havia feito uma revisão da literatura em 2020, intitulado “Artificial Intelligence in Asset Management, que vale a pena conferir, apesar de anteceder a onda da IA generativa pós-ChatGPT, fenômeno que popularizou a IA, mas que é apenas um subconjunto das reais possibilidades de aplicação da tecnologia.

A IA facilita a análise de dados das empresas e de conjuntura econômica, bem como de notícias e opiniões para aferir sentimentos e tendências. Ainda, os diversos “sabores” da IA (machine learning, deep learnimg, processamento de linguagem natural, IA generativa) ajudam na análise do impacto de certos tipos de divulgações e eventos para dar suporte à decisão de investimentos, bem como a geração (parcial ou total) de relatórios de análise. São exemplos de empresas inovadores nesse setor: Alpaca, AlphaSense, Canoe, Entera, Kavout e Tegus,

A IA também auxilia na realização de auditorias e detecção de fraudes (ex. Vectra, MindBridge e Nanonets). Assim, os “gatekeepers” do mercado certamente contarão com a IA como um aliado importante.

No que diz respeito a aspectos mais operacionais, a IA contribui para aprimorar a negociação algorítmica, modelos de precificação de ativos e de predição de preços, a execução eficiente de ordens, a supervisão de mercado por reguladores e autorreguladores, a automação de gestão passiva de fundos, e a automação de infraestruturas de mercado e pósnegociação, apoiando a integração de fluxos financeiros, troca de informações e controle de registros em escrituradores e custodiantes.

Em síntese, temos quatro grandes frentes de inovação no mercado financeiro por meio da IA: novos produtos com experiência de usuário aprimorada, suporte à decisão com melhores modelos preditivos, automação de processos operacionais visando maior eficiência, gestão de riscos com aumento da capacidade de análise de dados.

Sem dúvida, estamos diante um “admirável mercado novo”, potencializado pela IA, mas algumas coisas provavelmente não mudarão. A ganância, vieses cognitivos, informações falsas e manipulação são problemas recorrentes no mercado financeiro, e a IA, por mais avançada que seja, pode não ser capaz de nos ajudar a vencer essas limitações humanas intrínsecas que deram origem a esses problemas.

Por isso, enquanto abraçamos a IA, devemos atentar às lições do passado, pois as crises, embora não se repitam exatamente da mesma forma, tendem a “rimar”.


*Isac Costa é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec, do Insper e da

LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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