As perspectivas para o mercado de capitais brasileiro não são positivas no curto prazo. O embate entre Faria Lima e Brasília sobre gastos públicos e taxa de juros segue firme, assim como a sangria de recursos de fundos de ações e multimercado. Não há sinal de retomada de ofertas iniciais de ações no futuro próximo. A renda fixa volta a reinar – se é que algum dia deixou de ser rainha – e a bolsa local amarga a ausência de empresas de tecnologia que permitiriam capturar parte da euforia em torno da inteligência artificial.
Enquanto isso, as cotações do bitcoin e outros criptoativos fazem novas máximas. Mesmo sem haver certeza sobre fundamentos econômicos ou a plausibilidade das narrativas apresentadas ao mercado, o influxo de dezenas de bilhões de dólares fez com que ETFs de bitcoin fossem a inovação financeira mais popular de 2024 nos EUA, pelo menos para o varejo. Na B3, os ETFs de cripto também tiveram destaque, com valorizações expressivas no ano e aumento relevante do número de investidores.
Nem mesmo o mais otimista dos entusiastas cripto acreditaria que o bitcoin estaria cotado acima de US$ 100 mil no final do último ano. A eleição de Donald Trump nos EUA sugere que o setor poderá ter regras mais flexíveis, aliviando o cerco sob o qual era submetido pela SEC naquele país.
Se Trump levantou fundos para sua campanha vendendo coleções de NFTs e seus filhos têm uma empresa cripto, não surpreenderia que começasse a postar fotos de cachorrinhos no X, ao lado de Elon Musk, levando à loucura os compradores de Dogecoin e Shiba Inu. O próprio acrônimo do “Departament of Govern Efficiency”, a cargo de Musk, pode ser lido como um trocadilho infame nesse sentido (DOGE).
Para continuar a subir no vazio, contudo, serão necessários fatos novos para justificar o aumento da demanda por bitcoins. Será preciso que novas gestoras e empresas anunciem produtos e projetos no setor ou, então, que seja colocada em debate a improvável constituição de uma reserva de bitcoins nos caixas de Estados relevantes.
Ainda, boa parte dos criptoativos pega carona na alta do bitcoin, sem que nenhuma mudança significativa tenha ocorrido com relação aos projetos em curso desde 2022, quando se formava um consenso de que a bolha havia estourado. Os preços de alguns ativos subiram simplesmente por conta da vitória em processos, sem que tenham sido apresentados casos de uso em massa que comprovem as teses apresentadas ao mercado. Para muitos, a tecnologia blockchain ainda é uma solução em busca de um problema, apesar do sucesso de alguns projetos experimentais, como é o caso das operações de tokenização no Brasil, e das expectativas em torno de moedas digitais de bancos centrais, como o DREX.
A par da “criptomania”, a tokenização de ativos teve um ano positivo no Brasil, com inúmeras ofertas realizadas por meio do regime mais flexível das plataformas de crowdfunding. Essas ofertas mal chegavam a R$ 200 milhões nos anos anteriores, mas ultrapassaram R$ 1 bilhão em 2024.
Dados da Receita Federal revelam volumes mensais em torno de R$ 20 bilhões em operações declaradas com criptoativos. Em alguns meses, o número de pessoas físicas ultrapassou 9 milhões, pouco menos que o dobro do número de investidores na B3. Esse é um número, no mínimo, curioso, considerando a complexidade na compreensão do que está sendo negociado e a ausência de juros ou dividendos nos tokens em circulação. Em teoria, apenas investidores arrojados e sofisticados seriam capazes de compreender os riscos envolvidos e suportar a volatilidade dos preços. Entretanto, não raro, a compra de bitcoin e congêneres é o primeiro “investimento” de muitas pessoas.
Há uma guerra de narrativas. Para alguns, o crescimento do mercado cripto significa o esgotamento dos modelos tradicionais, a perda de credibilidade das instituições incumbentes e a busca por um mercado genuinamente global. Para outros, estamos diante de uma mania, mais resiliente que suas predecessoras ou, ainda, a convergência entre novo e velho é uma questão de tempo, sem que haja uma disrupção genuína em termos de redução de intermediários, custos operacionais e custo de financiamento das empresas.
O comportamento dos investidores sugere uma paradoxal aversão ao risco, com a expectativa imediatista de retornos elevados mesmo que isso represente a perda de grande parte ou da totalidade do capital investido. Para muitos, se a bolsa é um “mico” e resultados só virão em alguns anos, então não vale a pena – é preciso comprar o que está subindo! Em outros termos, o investimento de desnatura em aposta: as tabelas de rentabilidade histórica hipnotizam tal como o valor do prêmio da Mega Sena da Virada.
A explosão das plataformas de bets no passado recente parece confirmar que vivemos uma Idade Média no mercado brasileiro, calcada na ignorância financeira e em uma fé cega na sorte. Obviamente, algumas instituições de beneficiam desse cenário, à semelhança dos senhores feudais de outrora, enriquecendo com a cobrança de talha, corveia, dízimo, banalidades e outras taxas.
Entre bets, bitcoin e bolsa, vivemos sob as trevas da desigualdade social, do desespero e do despreparo de muitas pessoas na gestão do seu patrimônio, em um país onde a capacidade de poupança é um privilégio de poucos. E, quando navegamos nas redes sociais ou em certos sites de “educação” financeira, perdemos a esperança de que um “Iluminismo” financeiro virá em breve para nos ajudar a evoluir para um mercado compatível com o tamanho de nossa economia.
*Isac Costa é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.
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