Ouro e prata são vistos como ativos de proteção em períodos de instabilidade econômica, incerteza, tensões geopolíticas e expectativas de alta de inflação. São considerados como reservas de valor, aptos a preservar patrimônio quando a confiança no mercado é colocada em xeque.
O ouro, por exemplo, teve um desempenho excepcional durante a estagflação dos anos 1970. Ouro e prata atuaram como importantes reservas de valor quando a bolha “ponto-com” estourou no início dos anos 2000 e durante a crise financeira global de 2008. Além disso, esses ativos auxiliam na diversificação de carteiras, pois tendem a se valorizar em momentos de queda dos mercados de ações e títulos, especialmente nos estágios iniciais de uma recessão.
As tarifas impostas por Donald Trump, com o objetivo de proteger a indústria norte-americana e reduzir déficits comerciais, aumentaram as tensões entre potências globais, provocaram retaliações e elevaram a incerteza econômica e geopolítica mundial. Assim, o elevado nível de percepção de risco reforça o apelo dos metais preciosos como ativos de proteção.
As tarifas também podem elevar os preços de importação, pressionando a inflação, aumentando a demanda por ouro e prata, tidos como ativos de proteção contra inflação e desvalorização cambial. Além disso, os bancos centrais vêm diversificando suas reservas, aumentando a compra de ouro e reduzindo a dependência do dólar.
Preocupações sobre a perda de hegemonia do dólar, riscos de desvalorização da moeda americana ou reestruturações de dívida pública também fortalecem a busca por ouro e prata.
A guerra comercial iniciada pelo governo Trump levou investidores a se afastarem dos títulos do Tesouro americano, tradicionalmente considerados um “porto seguro”, enquanto as ações despencavam e o dólar caía para os menores níveis em três anos frente ao euro. Como o ouro é cotado em dólares, ele tende a se beneficiar da desvalorização da moeda norte-americana, pois se torna mais barato para compradores de outras moedas.
Entre 20 e 22 de abril de 2025, a cotação spot do ouro ultrapassou sucessivamente US$ 3.300 e US$ 3.500 por onça, antes de recuar mais de 2 % em poucas horas. A amplitude desses movimentos evidenciou um mercado sensível às manchetes sobre novas tarifas e à rápida realocação de portfólios em busca de proteção.
Projeções recentes de Goldman Sachs, J.P. Morgan, UBS e Bank of America convergem para um intervalo entre US$ 3.500 e US$ 3.700 por onça ao final de 2025, com cenários otimistas apontando picos de até US$ 4.500 caso persistam a demanda oficial e a expectativa de afrouxamento monetário pelo Federal Reserve. Não obstante, os mesmos analistas alertam para eventuais correções técnicas se houver distensão relevante nas tensões comerciais ou apreciação sustentada do dólar.
Para quem deseja investir em ouro e prata no Brasil, uma opção prática são ETFs e BDRs de ETFs negociados na B3. Esses instrumentos representam cotas de fundos de índice listados no exterior e oferecem exposição aos metais preciosos com liquidez e menores custos de transação do que a compra direta do metal físico. Um exemplo é o ETF GOLD11, que acumula retorno de 55,5% nos últimos 12 meses, com patrimônio de R$ 1,5 bilhão e mais de 60 mil investidores até março de 2025.
O rali de preços impulsionou os ETFs de ouro a registarem entradas líquidas de aproximadamente US$ 11 bilhões em abril de 2025, levando o patrimônio global da categoria a US$ 379 bilhões, novo recorde histórico. O volume negociado também atingiu máximas, indicando a preferência crescente por exposição indireta e líquida ao metal em detrimento da posse física.
Outras formas de ter exposição em ouro incluem ações ou BDRs de mineradoras, contratos futuros de ouro e prata, opções e compra física de metais. Entretanto, para quem busca liquidez e simplicidade, ETFs e seus BDRs continuam sendo o melhor caminho.
Investir por meio de ETFs (ou seus BDRs) é, em regra, mais vantajoso que a posse física de metais, que exige cuidados logísticos e apresenta prêmios elevados para negociações em menores quantidades, e mais acessível do que contratos futuros, que envolvem depósito de margem e ajustes diários.
Não há como afirmar de forma taxativa que o retorno será maior ou menor a depender do produto (ETF, BDR ou outro). O investidor deve levar em conta os custos de negociação e de taxas de administração, quando houver. Além disso, é preciso ficar atento ao parâmetro de referência dos preços, isto é, qual é a cotação levada em consideração e se a carteira é composta de ouro físico ou outras variações de ouro financeiro. É recomendável comparar a variação no passado recente de diferentes produtos em face de diferentes índices de referência de ouro nos mercados mais tradicionais.
O bitcoin, frequentemente chamado de “ouro digital”, também está capturando parte desse fluxo de investidores em busca de proteção contra riscos sistêmicos. Embora ainda exista debate sobre sua efetividade como reserva de valor, o bitcoin tem se comportado, em momentos recentes de estresse geopolítico e monetário, de maneira semelhante aos metais preciosos.
A correlação entre o Bitcoin e o ouro tornou-se mais evidente recentemente. Enquanto o ouro atingiu recordes históricos, ultrapassando US$ 3.500 por onça, o Bitcoin também apresentou uma valorização notável, alcançando níveis superiores a US$ 90.000. Esse movimento paralelo sugere que ambos os ativos estão sendo procurados como refúgios seguros diante das turbulências econômicas e políticas.
Apesar dessa tendência, é importante notar que o status do Bitcoin como ativo de proteção ainda é objeto de debate. Embora haja sinais de que a criptomoeda esteja sendo considerada uma reserva de valor, sua volatilidade e a falta de um histórico mais longo em comparação ao ouro levantam questões sobre sua eficácia nesse papel. No entanto, com o aumento da adoção institucional e o interesse crescente de investidores em diversificar suas carteiras, o Bitcoin pode consolidar-se como uma opção viável para proteção patrimonial em um cenário econômico global cada vez mais incerto.
Com a crescente incerteza global e o movimento de reconfiguração das reservas monetárias mundiais, o ouro e a prata voltam a ocupar um espaço estratégico nas carteiras dos investidores que buscam segurança e preservação de valor. E, nessa nova “corrida do ouro”, o bitcoin desponta como candidato a ser um novo ativo de proteção nas carteiras de investimentos.
*Isac Costa é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.





