Para responder esse questionamento, devemos realizar algumas reflexões prévias, partindo da primeira aplicação relevante da tecnologia Blockchain: o protocolo Bitcoin.
É de conhecimento comum que a ideologia do Bitcoin é radical libertária. A sua proposta é uma estrutura tecnológica que possibilita a transferência de valores diretamente entre pessoas, sem a presença de intermediários.
Partindo dessa permissa, soa, em certa medida, contraditório ao propósito dessa tecnologia, regulá-la.
Acontece que, essa extrema liberdade pode refletir negativamente em determinados aspectos sociais, implicando em crimes, tais como lavagem de dinheiro, financiamento ao tráfico, terrorismo, esquemas ponzi de pirâmides financeiras, entre outros. Esses reflexos acionam o sinal de alerta para os Estados.
No mesmo sentido, nessa mais de uma década de existência do BTC, com o surgimento de diversos ativos decorrentes, testemunhou-se a eclosão de riquezas exponenciais, nesse mercado que movimenta bilhões. Tais riquezas estariam afetas ao pagamento de tributos.
Além da possibilidade de tributação, alguns Estados perceberam que estavam diante diversas possibilidades de captação de investimento, ao estabelecer um ambiente regulatório favorável aos desenvolvimentos dos projetos criptos, os chamados Crypto Friendlies.
Na mesma linha, surgiram iniciativas voltadas a tokenizar ativos estatais, é o caso das chamadas Central Bank Digital Currency (CBDC). Inclusive, já temos um artigo somente sobre CBDC aqui no site.
Assim, de um lado temos como objetivo central dos Estados, minorar os riscos trazidos pelos possíveis reflexos negativos dessa tecnologia, além de, é claro, aproveitar as possibilidades decorrentes dessa tecnologia – não sejamos ingênuos. E, por outro lado, o desafio de não aniquilar o efervescer desse ecossistema, isso sem considerar os desafios transfronteiriços.
Em outras palavras, quando falamos em regulação, estamos em última análise ponderando entre a liberdade de iniciativa e a intervenção estatal na economia. Em um cenário de capitalismo cada vez mais globalizado e tratando-se de um Estado adepto, como o nosso, cabe a iniciativa privada o protagonismo no mercado econômico. Ao Estado, incumbe tão somente a supervisão no tocante a interesses públicos relevantes.
Dito isso, passamos a responder o questionamento inicial. Regulação do mercado cripto, é benéfica para o Ecossistema?
Embora entendamos que não há uma resposta certa e única para esse questionamento, acreditamos que a ingerência estatal na iniciativa privada, ou seja, no mercado cripto, somente pode ser justificada na proteção de interesses públicos relevantes.
É necessário deixar claro que o ato de operar no mercado cripto, independentemente em qual papel (Holder, trader, etc), traz consigo inúmeros riscos aos interesses das partes envolvidas, que devem estar cientes. A regulação estatal somente será benéfica se vier para tutelar interesses públicos relevantes.
Até mesmo porque, muitos dos riscos presentes na operação do mercado cripto já são objeto de tutela jurídica no mercado tradicional. As operações do mercado cripto nada mais seriam do que uma nova forma de se fazer o que já se faz, logo, nada mais justo do que aplicar os regramentos jurídicos já existentes.
Em suma, fato é que são inúmeras as reflexões que devem serem feitas ao se tratar de regulação do mercado cripto a fim de que não se corrompa o propósito inicial dessa tecnologia.
Mariana Oliveira é advogada e entusiasta do mundo cripto. Contribui para a segurança jurídica dos negócios criptos através da elaboração de contratos. Possui expertise em privacidade e proteção de dados pessoais.
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