Como posso utilizar a Blockchain para proteger minha Propriedade Intelectual?
Até o final do século XX boa parte dos negócios dependiam de uma grande estrutura física para funcionarem: salas comerciais, escritórios, móveis, estoque e capacidade de acomodar vários colaboradores. Contudo, esse cenário foi mudando gradativamente a partir dos anos de 1990 com a revolução proporcionada pela internet. Trabalhos repetitivos e manuais foram sendo substituídos por hardwares e softwares que possibilitavam a otimização das tarefas operacionais e melhor destinação da mão de obra humana para atividades que demandavam maior esforço intelectual.
Com o passar dos anos o alcance da internet aumentou globalmente e com isso surgiram novos negócios, cujo principal ativo, ou alvo a ser perseguido, passou a ser a atenção dos consumidores e potenciais clientes. Assim, a robusta estrutura física que antes era necessária para as empresas que quisessem aumentar seu alcance além de mercados locais e regionais foi dando lugar à produção intelectual que gerasse valor para o público.
No entanto, o surgimento de novos produtos também levanta novas preocupações, principalmente com relação à proteção do negócio. Enquanto o desenvolvimento industrial é resguardado pelas Patentes, de que forma poderia ser protegida a propriedade intelectual?
Antes de mais nada, é preciso entender o que é propriedade intelectual, e para isso recorreremos ao entendimento da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). Segundo a Organização, há duas categorias de Propriedade Intelectual:
- Propriedade Industrial: engloba marcas, patentes, desenhos e indicações geográficas; • Direitos Autorais: abrange a autoria de obras intelectuais, literárias e artísticas.
E como se dá o registro?
No Brasil, a Propriedade Industrial é regida pela Lei nº 9.279/1966, que determina o órgão responsável, o que pode ser registrado e de que forma ocorre o procedimento de registro. De acordo com a referida Lei, é de competência do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) a competência para registro de Propriedades Industriais.
Por sua vez, quando falamos em Direitos Autorais e obras intelectuais, quem dá os contornos e definições é a Lei nº 9.610/1998.
Diferentemente da Propriedade Industrial em que temos um único órgão competente para registro, qual seja o INPI, quando falamos em Direitos Autorais temos vários órgãos competentes para registro a depender da natureza da produção. São eles:
- Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Fundação Biblioteca Nacional (FBN): registro de obras literárias, desenhos e músicas;
- Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA): registro de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo;
- Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro: registro de obras de artes visuais;
- Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: registro de obras musicais.
Tanto o registro de Propriedade Industrial quanto o de Propriedade Intelectual demandam procedimentos formais consideravelmente burocráticos e demorados, devendo ser cumpridos uma série de requisitos exigidos pelos órgãos. Isso faz com que, em alguns casos, o responsável pela criação fique desprotegido contra violações de terceiros até que o trâmite seja finalizado.
Isso ocorre pois em se tratando de Propriedade Industrial, o registro junto ao órgão competente possui natureza constitutiva da criação, ou seja, o criador só é reconhecido como tal e passa a gozar dos direitos protetivos após a finalização do procedimento, que pode demorar anos. Nesse caso, o registro então é obrigatório. Já em relação aos Direitos Autorais ligados produções intelectuais, o registro possui natureza declaratória, ou seja, é opcional, embora recomendado.
E de que forma a tecnologia Blockchain pode conferir proteção aos Criadores?
Ao se falar em criações Industriais ou Intelectuais, a grande preocupação dos criadores é: Como eu posso proteger a minha criação contra violação de terceiros e de que forma eu poderia provar que a criação é minha caso um terceiro reivindicasse direitos sobre ela?
A resposta para sanar essa dor é simples, porém extremamente poderosa: através do registro em blockchain.
Apesar de em alguns casos o registro da criação no órgão competente ser um requisito obrigatório para constituição da propriedade e o registro em blockchain não supri-lo, ao menos por hora, a utilização dessa tecnologia serve perfeitamente para conferir uma proteção imediata, permanente, segura, auditável e com ótimo custo-benefício: a prova de anterioridade.
De forma sucinta, a prova de anterioridade é algo que comprova que alguém foi o primeiro a reivindicar direitos sobre determinada criação. Assim, caso um terceiro reivindicasse direitos sobre ela posteriormente, poderia ser demonstrado judicialmente que alguém já o fez, ainda que pendente o registro formal junto ao órgão competente.
Vejamos como é visualizado um registro em blockchain e o porquê de ele atender à finalidade de obtenção prova de anterioridade:
- ID: identificação da transação realizada na blockchain. Cada transação gera um ID, também denominado hash de transação.
- Sender: a carteira que enviou determinada quantidade de tokens nativos daquela blockchain para que a transação fosse possível.
- Recipient: a carteira que recebeu os tokens enviados pelo Sender. Nesse caso, como o registro da produção intelectual foi feito pelo próprio criador, a mesma carteira é Sender e Recipient.
- Amount: a quantidade de tokens enviados
- Fee: a taxa de transação cobrada pela rede blockchain pelo esforço operacional necessário para realizá-la.
- Timestamp: data e hora em que o registro da criação foi realizado na blockchain. • Status: status da transação, que nesse caso foi bem-sucedida.
De todas essas informações, as mais importantes para prova de anterioridade de registro são Sender, Recipient, Timestamp e Status. Enquanto as duas primeiras permitem identificar quais carteiras interagiram para que a transação fosse realizada, ou seja, quem efetuou o registro na blockchain, as duas últimas permitem identificar, respectivamente, o momento exato do registro, e se ele foi feito com sucesso, está pendente ou houve algum erro.
Vamos agora visualizar outras duas imagens, que fornecem mais informações relevantes sobre o registro:
Nessa imagem, as informações relevantes para nosso objetivo são:
- Block: em qual bloco a transação foi registrada, o que confirma que foi realmente bem sucedida;
- Attachment: Clicando em ‘’Show’’ é possível visualizar o que foi registrado, o que nos leva à imagem abaixo:
Na primeira linha consta o hash (identificação) no formato SHA-256 da informação inserida, que pode ser um texto ou arquivo de determinado formato como, por exemplo, JPEG ou PDF. Já na segunda linha, temos a descrição da finalidade de registro, que foi inserida por quem o fez.
Dessa forma, caso essa produção intelectual seja violada por um terceiro, o criador consegue comprovar, inclusive judicialmente, a existência de anterioridade de utilização pelo criador.
E por que o registro em blockchain seria a melhor alternativa para esse objetivo?
O registro em blockchain é a melhor alternativa pois a rede possui atributos que atendem perfeitamente à finalidade produção de prova de anterioridade. Vejamos:
- Imutabilidade: uma vez registrados, os dados não podem ser alterados ou adulterados, ou seja, um terceiro não pode posteriormente acessar a blockchain e fazer uma transação dizendo que o registro não foi feito;
- Registro permanente: os dados registrados em blockchain não possuem prazo de validade e, em regra, ficam disponíveis permanentemente. Se a pessoa quiser ainda mais segurança, é possível baixar o full node (todos os nós) da blockchain até aquele momento e guardá-lo em sua máquina. Assim, caso a blockchain fique indisponível no futuro, uma chance extremamente remota, ele possui a informação que precisa.
- Auditabilidade: sendo o registro efetuado numa blockchain pública, o mesmo pode ser consultado a qualquer tempo, de qualquer lugar, e por qualquer pessoa.
- Imediatidade: geralmente o registro é confirmado em segundos, fornecendo proteção imediata.
- Custo-benefício: a depender da blockchain a ser utilizada, o custo-benefício é extremamente vantajoso.
Tudo isso faz com que a tecnologia Blockchain seja uma excelente alternativa para resguardar direitos sobre propriedades industriais ou produções intelectuais tanto nos casos em que o registro nos órgãos competentes é obrigatório quanto nos casos em que é facultativo. Em ambas as situações a prova de anterioridade pode conceder ao criador noites de sono tranquilas por saber que seu trabalho está resguardado.
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Antídio Souza é advogado especializado na adequação jurídica de negócios em Blockchain, no fornecimento de assessoria para empresas e investidores do mercado de Criptoativos, e na elaboração de Contratos eficientes.
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