Influenciadores financeiros conselho bom se dá ou se vende

Influenciadores financeiros: conselho bom se dá ou se vende?

Influenciadores digitais são atores importantes na dinâmica do mercado de capitais, ao compartilhar por meio das mídias sociais, informações relativas a investimentos – em especial opiniões e experiências – em formatos variados, tais como podcasts e vídeos de curta duração.

Seu impacto tem sido observado especialmente em investidores de varejo e em um público mais jovem e os formatos utilizados divergem do que se considerava material típico de informação no mercado, tais como relatórios de análise escritos, prospectos, lâminas e apresentações em road shows.

É inegável que os influenciadores são fundamentais para a democratização do acesso ao mercado de capitais para uma nova geração de investidores e a amplificação de ideias para a educação financeira do público em geral. Porém, sua atuação suscita algumas preocupações.

 

O que preocupa regulador e autorreguladores?

Em alguns casos, certo conteúdo pode ser, em essência, uma recomendação de investimento e, por isso, deveria se sujeitar a parâmetros regulatórios vigentes. Em outros casos, podemos ter situações que podem ser marcadas por conflitos de interesse não devidamente informados ou, ainda, com indícios de manipulação de preços, aproveitando-se de sua capacidade de efetivamente influenciar a decisão dos investidores por meio da exploração de vieses comportamentais.

Uma situação limítrofe é aquela em que o influenciador sinaliza que adotou determinada estratégia em certo ativo, a título de ilustração de certo método de decisão, mas o público decide seguir a indicação sem uma reflexão mais detida. Assim, para um observador externo, o efeito é semelhante ao de uma recomendação de investimento e, o que é pior, aquela na qual a decisão posterior dos investidores pode beneficiar o autor da recomendação.

Nesse modelo, é um enorme desafio distinguir uma conduta legítima e uma infração às regras do mercado, o que dependerá da análise das circunstâncias no caso concreto – por exemplo, se a recomendação dada diverge da atuação real do influenciador (que sugere compra, mas está vendendo) ou se e quando este atua como contraparte de seu público, especialmente quando a liquidez do ativo ou outros fatores determinam sua efetiva capacidade de influenciar as cotações.

Uma dificuldade adicional é a necessidade de supervisionar centenas ou até mesmo milhares de influenciadores em grupos fechados em certas redes sociais ou publicando conteúdos que desaparecem rapidamente (stories, por exemplo) ou que podem ser facilmente apagados.

 

Livre atuação e as normas sobre profissionais de mercado

As novas formas de manifestação desses riscos podem demandar a atualização das regras relativas a analistas de valores mobiliários, consultores e assessores de investimento, que exercem atividades reguladas que demandam autorizações pela CVM.

Esses profissionais são pautados por regras de conduta, vedações e responsabilidades previstas nas normas expedidas pela autarquia e por normas de autorregulação, especialmente BSM, Anbima e Apimec no seu âmbito de competência. Ainda, o exercício dessas atividades exige o cumprimento de requisitos de qualificação profissional.

Notamos, portanto, uma tensão entre, de um lado, a livre iniciativa e a liberdade de expressão e, de outro, reprimir condutas prejudiciais ao mercado, a necessidade de proteger os investidores e estabelecer padrões mínimos de qualidade para a informação a eles disponível.

Por conta desse novo desafio, a CVM realizou a Consulta Pública nº 4/23, a fim de coletar subsídios para eventuais ajustes na regulação vigente.

 

Quando você não paga, você é o produto?

O fio condutor das discussões foi a premissa de que influenciadores podem ser contratados para criar conteúdo sobre valores mobiliários, companhias, emissores e outros participantes específicos e que tais contratos podem consubstanciar, no caso concreto, conflitos de interesse que precisam ser devidamente explicitados ao público.

Adicionalmente, em análise de impacto regulatório divulgada em abril de 2023, a CVM apontou que, em outros países, a discussão teve foco na eventual adaptação de normas relativas a atividades já reguladas, sem considerar uma nova atividade autônoma para abarcar influenciadores financeiras. Nesse quadro, a CVM enunciou a possível falta de transparência no relacionamento entre os influenciadores digitais e os participantes regulados pela autarquia como “problema regulatório” a ser resolvido.

Em última análise, em linha com recomendações da IOSCO, objetiva-se responsabilizar não o influenciador em si, mas sim o participante regulado (companhia, gestora, intermediário etc.) que contrata o influenciador por eventuais falhas informacionais e atuação em conflito de interesses.

As consequências práticas dessa abordagem podem ser vistas em manifestações preliminares da BSM e Anbima, com a exigência de procedimentos específicos de contratação de influenciadores, dever de diligência quanto à verificação das autorizações necessárias para o escopo da atividade, deveres de fiscalização, manutenção de arquivos e criação de canais de denúncia.

Na esteira dessas providências, a Consulta Pública da CVM buscou ouvir o mercado acerca de três temas.

Em primeiro lugar, qual deve ser o teor do contrato entre o participante regulado e influencers, com mecanismos de divulgação e mitigação de conflitos de interesses, curadoria de conteúdo para assegurar conformidade com os parâmetros regulatórios para divulgação de informações, fiscalização da atuação e exigência de eventual autorização compatível com o tipo de recomendação – por exemplo, registro como analista se, em essência, o conteúdo é o de relatório de análise, conforme definido na Resolução CVM nº 20/2021. Ainda nesse quesito, a CVM procurou saber como e quando devem ser divulgadas informações de contratação e conflitos de interesses sem comprometer o caráter tipicamente informal da comunicação adotada por influenciadores.

Em segundo lugar, quais os eventuais cuidados adicionais que participantes regulados devem ter ao adotar estratégias de marketing em redes sociais e se e como as normas vigentes devem ser adaptadas para essa nova realidade. Nesse contexto, merece destaque o dever de adequação ao perfil do risco do investidor (suitability) nas atividades direcionadas a pessoas específicas (caso de assessores de investimentos e consultores de valores mobiliários, por exemplo).

Em terceiro lugar, considerando que a atividade de analista de valores mobiliários é destinada ao público em geral e tem afinidade com a divulgação de relatórios e carteiras recomendadas em mídias sociais, a CVM procurou obter subsídios específicos com relação a essa profissão, particularmente com o aperfeiçoamento da definição normativa de “relatório de análise” (que determina a exigência ou não de autorização prévia) e a compatibilização das regras de divulgação nos casos em que o analista pessoa física ou jurídica atua predominante ou exclusivamente em canais digitais.

Vamos aguardar os desdobramentos da audiência pública, com a possibilidade de proposta de uma minuta de norma que altere as já existentes ou, o que é menos provável, a criação de uma nova Resolução específica para o tema.

Enquanto a regulação não vem – e não sabemos se, quando ou como virá – persiste a preocupação em conciliar inovação, liberdade de expressão e proteção aos investidores, garantindo um ambiente de investimento seguro, transparente e equitativo para todos.


*Isac Costa é advogado, professor do Ibmec, do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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