Os próximos passos da regulação do mercado de ativos virtuais no Brasil_O que esperar o Banco Central

Os próximos passos da regulação do mercado de ativos virtuais no Brasil: O que esperar do Banco Central.

O mercado brasileiro de ativos virtuais vive um momento de transição decisiva. Com a promulgação da Lei nº 14.478/2022 e a edição do Decreto nº 11.563/2023, o Banco Central do Brasil foi oficialmente designado como a autoridade responsável pela regulação e supervisão das chamadas VASPs (Virtual Assets Service Providers) ou PSAVs (Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais) segundo a denominação adotada pela legislação nacional e pelo próprio BACEN.

Desde então, o setor acompanha com atenção os movimentos do regulador, especialmente no que diz respeito à publicação das Resoluções que deverão disciplinar de forma concreta o funcionamento dessas empresas.

Em entrevista recente no YouTube ao canal Let’s Media, Antônio Guimarães, Consultor do Gabinete de Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central, forneceu importantes esclarecimentos sobre as diretrizes que nortearão o novo marco regulatório do setor, antecipando pontos que devem constar nas futuras normas e Consultas Públicas.

Conforme antecipado pelas Consultas Públicas nº 109 e 110/2024, um dos principais pontos será a definição de três categorias distintas de PSAVs: intermediárias, custodiantes e corretoras de ativos virtuais, sendo que as diretrizes e a rigidez regulatórias a serem observadas por cada uma guarda relação direta com a complexidade e o risco das atividades desempenhadas.

As intermediárias, por exemplo, que oferecerão serviços de compra, venda, e troca de criptoativos, dentre outros, deverão integralizar capital correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Por outro lado, as custodiantes, que serão responsáveis pela guarda dos ativos, deverão possuir ao menos R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) de capital social integralizado.

Por sua vez, as corretoras, que cumularão as atividades de intermediárias e custodiantes, deverão ter capital social mínimo integralizado de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Se forem oferecidos serviços de staking ou conta margem, será necessária a integralização de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) adicionais.

De acordo com o BACEN, a estrutura busca não apenas adequar as exigências regulatórias ao perfil da atividade exercida, mas também criar um padrão de robustez financeira mínima que assegure maior proteção aos usuários do sistema e investidores.

Nesse sentido, outro grande ponto de enfoque e cuidado é a segregação patrimonial, que será tratada pelo órgão nas Resoluções, e exigirá a criação e manutenção de contas de pagamento para os clientes, conforme previsão contida no art. 6º, IV da Lei nº 12.865/2013, de modo a separar os recursos das empresas dos recursos dos investidores.

De forma complementar à segregação patrimonial, Antônio Guimarães enfatizou a necessidade de uma lei que permita a implementação do instituto do patrimônio de afetação em relação às PSAVs.

Conforme elucidado pelo artigo 789 do Código de Processo Civil, ‘’O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei’’, motivo pelo qual faz-se necessária a publicação de uma nova lei que preveja restrição no sentido de que somente os bens das PSAVs respondam por seus débitos, salvaguardando o patrimônio dos clientes em decorrência de tratamento especial e evitando que, em caso de eventual falência, os usuários tenham seus créditos considerados como quirografários, seguindo o padrão atualmente previsto na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências).

Cabe ressaltar que já tramita no Congresso Nacional o PL (Projeto de Lei) nº 4932/2023, de autoria do Deputado Áureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE-RJ), que trata do tema.

Outro esclarecimento importante fornecido por Antônio Guamarães diz respeito à coexistência entre Instituições de Pagamento (IPs) e PSAVs dentro de um mesmo grupo econômico.

Embora a norma proíba que uma mesma pessoa jurídica desempenhe ambas as atividades, não há vedação de que uma Prestadora de Serviços de Ativos Virtuais e uma Instituição de Pagamento integrem o mesmo grupo econômico, flexibilização essa que permitirá maior integração entre serviços financeiros e ativos digitais, e abrirá espaço para modelos de negócio mais abrangentes e inovadores.

No que diz respeito ao processo de autorização, Antônio Guimarães informou que haverá tratamento diferenciado entre empresas que já estejam em operação no momento da entrada em vigor das Resoluções e aquelas que ainda não iniciaram suas atividades.

As empresas em funcionamento terão o prazo de 6 (seis) meses para se identificarem ao regulador, sendo autorizadas a continuar operando durante a tramitação do processo de autorização, que será dividido em duas etapas, quais sejam verificação e autorização formal. O prazo estimado para a conclusão desse trâmite será de aproximadamente 36 meses.

No que tange às empresas que ainda não estiverem em operação quando da entrada em vigor das Resoluções do BACEN, essas deverão protocolar o pedido de autorização e aguardar a concessão formal para iniciar suas atividades, observado o prazo estimado de até 24 meses para a conclusão do processo.

Importante salientar que, segundo Antônio Guimarães, o Banco Central pretende conduzir novas rodadas de Consultas Públicas, inclusive de caráter prospectivo, o que evidencia a abordagem dialógica do órgão e demonstra sensibilidade à ampla gama de modelos de negócio existentes e à necessidade de calibrar as normas de maneira proporcional e eficiente. Para os empresários e advogados que atuam no setor, participar das Consultas Públicas representa uma janela estratégica para contribuir com o conteúdo das normas e antecipar as mudanças que virão.

Outro tema que receberá tratamento específico por parte do Banco Central é o das stablecoins, como USDT (Tether) e USDC. Antônio adiantou que o órgão pretende estabelecer critérios regulatórios específicos para a emissão desses ativos, com foco especial na composição do lastro, nos mecanismos de governança e na preservação da paridade com o ativo referência da cotação.

Em um cenário onde as stablecoins vêm ganhando cada vez mais espaço como instrumentos de pagamento, reservas de valor e até mesmo alternativas à moeda fiduciária, a intenção do regulador é mitigar riscos sistêmicos, evitar descolamentos entre o ativo e seu lastro e garantir transparência e proteção aos investidores.

A entrevista também destacou que haverá espaço para a figura do provedor de liquidez institucional, cuja função será oferecer ativos que garantam profundidade e fluidez nas operações realizadas no ambiente das exchanges, de modo a fomentar o mercado nacional e posicioná-lo como competitivo no cenário internacional, já que atualmente grande parte dos provedores de liquidez contratados pelas PSAVs brasileiras são estrangeiros.

Essa atividade, embora ainda pouco explorada do ponto de vista jurídico, tende a receber especial atenção por parte do regulador, justamente por seu potencial impacto no equilíbrio das negociações e na integridade do mercado.

Todas essas diretrizes indicam que o Banco Central está estruturando uma regulação moderna, baseada em proporcionalidade, responsabilidade prudencial e proteção ao consumidor.

O novo arcabouço normativo visa a criação um ambiente de negócios sustentável, transparente e seguro, capaz de atrair investimentos, estimular a inovação e posicionar o Brasil como uma das jurisdições referência do mercado de criptoativos em âmbito global.

Para os operadores jurídicos e empreendedores do setor, o momento é de atenção e preparação. A entrada em vigor das Resoluções exigirá não apenas o cumprimento de requisitos formais, mas também uma reorganização interna em aspectos como estrutura societária, controles financeiros, compliance regulatório, governança e relacionamento institucional.

A participação ativa nas Consultas Públicas, a reavaliação dos modelos de negócio e a adoção de boas práticas regulatórias deixarão de ser um diferencial competitivo para se tornar condição de permanência no mercado.

O ciclo regulatório vindouro promete trazer maior maturidade, segurança jurídica e institucionalização para o mercado brasileiro de criptoativos, ao mesmo tempo que impõe desafios que exigirão postura estratégica, assessoria jurídica especializada e adaptação contínua às novas exigências de um mercado em constante transformação.


Antídio Souza é advogado especializado em Estruturação e Adequação Jurídica de empresas do Mercado de Ativos Virtuais, e em Contratos Empresariais e Societários. É também empresário e fundador do portal CriptoJur (criptojur.com). Instagram: @antidiosouza.

 

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