Bitcoin, para que te quero

Bitcoin, para que te quero?

A volatilidade das cotações do bitcoin e outros criptoativos é diretamente proporcional à intensidade das paixões dos discursos que se alternam entre legitimar e louvar o potencial desses ativos durante ciclos de alta – como o que vivemos agora ou já experimentamos em 2017 e 2021 – ou demonizam e desdenham seu valor em ciclos de baixa e crise – como nos “invernos” cripto de 2018 e 2022.

Investidores que, em grande parte, ainda não compreendem o propósito e os riscos de criptoativos, começam a considerar incluí-los em sua estratégia de investimentos. É difícil ignorar ativos que, em meio a resultados modestos da bolsa brasileira, renderam mais de 100% em 2024 e que têm o respaldo de bilionários influentes como Elon Musk, Peter Thiel e Marc Andreessen ou grandes gestoras como Larry Fink, da BlackRock – que teve enorme êxito com seu ETF de bitcoin, captando mais de US$ 50 bilhões.

As altas vertiginosas do passado recente silenciaram, ao menos por enquanto, as críticas de Warren Buffet, Jamie Dimon e Ray Dalio e de economistas como Joseph Stiglitz, Nouriel Roubini e Nassim Nicholas Taleb. Se nem os maiores entendidos de investimentos conseguem chegar a um consenso, como tomar uma decisão a respeito desses ativos?

Há quem prefira ficar de fora, mas não é raro experimentar uma sensação parecida com o cenário em seus colegas de trabalho acertaram o bolão da Mega Sena e você terá que voltar à rotina de sempre sem seles em janeiro. “Novos milionários” cripto e empreendedores que receberam aportes vultosos desfilam nas manchetes e redes sociais, colocando em xeque as horas de esforço de muitos em sua formação econômica e tomada de decisão com base em modelos sofisticados. Alguns podem até mesmo alardear que “os tempos estão mudando” e as estratégias tradicionais de investimento já não funcionam mais.

De modo análogo, muitos profissionais ficam perplexos com a “viralização” de influencers nas redes sociais que, mesmo sem formação em centros de excelência, conseguem ter receitas e captar um número muito maior de clientes em áreas como nutrição, estética, advocacia e assessoria em investimentos, dentre outras.

Vivemos em uma época curiosa, marcada pela força das narrativas e seu potencial de disseminação por meio de canais digitais. Ao que parece, assim como o sucesso de empresas – pelo menos as mais recentes – tem sido medido mais pela sua capacidade de captar investimentos do que gerar lucros, a esperança calcada no “parecer ser” supera o ceticismo da avaliação da probabilidade do efetivamente “ser” na tomada de decisão. E isso se torna mais claro quanto maior o medo de ficar de fora.

Essa constatação pode ser uma justificativa para o movimento de preços do bitcoin e ativos congêneres no passado recente, em especial as memecoins de Donald e Melania Trump. Alguns podem criticar a comparação entre bitcoin e memecoins, pois enquanto estas são marcados por seu caráter efêmero, aquele tem uma narrativa subjacente mais longeva de que pode ser a moeda da internet, uma reserva de valor alternativa ao ouro, podendo valer centenas de milhares ou alguns milhões de dólares a unidade.

De nada adianta dizer que estamos em uma bolha, pois, se ou quando ela estourar, ninguém vai lembrar dos profetas do apocalipse. Apesar disso, é preciso manter a calma e a lucidez para que decisões impulsivas não gerem perdas relevantes em investimentos que se desnaturam em apostas.

É importante frisar que, nos últimos dois anos, não houve mudança significativa na tecnologia dos criptoativos com maior valorização, a fim de superar os gargalos de escalabilidade, ou qualquer alteração dos direitos conferidos a seus titulares ou adesão em massa em sua utilização (como o ChatGPT representou para a IA, por exemplo). A alta tem sido alimentada pela expectativa de ingresso de recursos de instituições financeiras tradicionais e pela flexibilização da regulação – especialmente com a eleição de Trump nos EUA – que vinha sendo um obstáculo até então.

Portanto, é preciso cautela ao analisar narrativas eufóricas, em especial daqueles que têm muito a lucrar com o desenvolvimento deste mercado, mesmo que venha a implodir no futuro.

Apostar é divertido e o sonho de ganhos elevados e rápidos é sedutor. Por isso, a decisão de alocação de recursos em criptoativos requer autoconhecimento e autocrítica – você precisa responder a si mesmo: “eu estou fazendo uma aposta pura e simples ou tomando uma decisão informada e refletida que ponderou sobre os riscos envolvidos?” Se a resposta for a primeira alternativa, então esteja preparado para comemorar o recebimento do prêmio sonhado ou, o que é mais provável, perder boa parte ou tudo do que investiu. Se for a segunda alternativa, então o resultado, ainda que adverso, não irá comprometer seu patrimônio e sua vida financeira de modo relevante.


*Isac Costa é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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