Em um cenário global marcado por inovações tecnológicas constantes e rápidas transformações, uma questão importante envolve como será o futuro do mercado de capitais diante da necessidade de incluir mais investidores, fornecendo-lhes uma experiência mais amigável e transparente, reduzir o custo de capital para as empresas, mitigar a fricção dos fluxos globais de capital e atender constante demanda por novos produtos financeiros.
Nesse contexto, a adoção de novas tecnologias é condição necessária, embora não seja suficiente. Afinal, dados são a matéria-prima da tomada de decisão de investimentos desde antes do surgimento dos computadores.
Contudo, inovar não é tarefa fácil, especialmente para instituições incumbentes cujos erros decorrentes de experimentações podem comprometer sua credibilidade ou, no mínimo, custar a carreira de seus administradores. Por outro lado, startups podem não ter robustez e escala suficientes para os requisitos regulatórios e a mitigação dos riscos específicos do mercado financeiro.
Assim, apesar da noção de que fintechs vieram desafiar instituições financeiras tradicionais, observamos a formação de parcerias estratégicas entre incumbentes e desafiantes, além da tendência quase inevitável de transformação dos novos entrantes mais bem sucedidos naquilo que eles um dia desafiaram.
Embora a proliferação de fintechs não tenha reduzido o custo do crédito e incrementado o acesso ao mercado de capitais por empresas menores, as perspectivas de aumento de eficiência operacional – e rentabilidade – na oferta de produtos e serviços financeiros são promissoras.
A construção de infraestruturas de mercado mais modernas, a personalização da experiência de usuários e a intensificação da automação de processos são exemplos de soluções para gargalos operacionais, que indicam caminhos para mercado mais ágil, seguro e acessível, com novos modelos de negócios e de interação entre empresas e investidores.
Millenials, inclusão financeira digital e proliferação de fintechs
Os millennials, nascidos entre 1985 e 1999, representam a maioria dos investidores no mercado de capitais brasileiro, segundo dados da B3. No primeiro trimestre de 2024, pouco menos da metade dos 5,9 milhões de investidores no mercado de ações têm entre 26 e 45 anos[1]. Familiarizados com o mundo digital, a geração Y usa com tranquilidade as plataformas on-line e aplicativos, são mais independentes e demandam maior agilidade e facilidade na experiência de investimentos.
Logo, é bastante compreensível a dominância dos canais digitais nas transações bancárias, que aumentaram em 5 vezes nos últimos cinco anos, chegando a quase 80% do total de transações para mobile banking, internet banking e aplicativos de mensagens instantâneas, conforme a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2024.
Some-se a esse quadro a crescente inclusão financeira no Brasil – em de 2023, o país registrou mais de 1,2 bilhão de contas bancárias ativas, segundo o Ranking idwall de Experiência Digital – e, ainda, a atuação de quase 1.500 empresas catalogadas como fintechs pelo Distrito no país[2], fornecendo soluções rápidas e flexíveis para crédito, pagamentos eletrônicos, seguros, previdência e outros serviços financeiros.
Mercados cada vez mais rápidos
A tendência de redução no tempo de liquidação de operações no mercado de capitais brasileiro reflete um avanço significativo na eficiência do setor. Historicamente, o processo de liquidação já passou por uma série de melhorias, saindo de D+10 nos tempos de pregão físico para os atuais D+2, implementados em 2019. Esse movimento visa acelerar a transferência de valores mobiliários entre vendedores e compradores, reduzindo os riscos envolvidos nas operações.
O próximo passo consiste em reduzir esse prazo para D+1[3], o que promete liberar capital mais rapidamente, aumentando a liquidez no sistema como um todo. Em tempos de Pix, essa redução pode ser bem-vinda, desde que os riscos e a complexidade operacional sejam devidamente endereçados.
O caminho para a liquidação atômica (em termos mais simples, entrega contra pagamento de forma instantânea e simultânea) traz desafios significativos em matéria de interoperabilidade entre sistemas.
Embora já seja tecnicamente possível com a implementação de moedas digitais de bancos centrais, dentre outras possibilidades, há barreiras regulatórias e operacionais, dado legado de sistemas antigos das infraestruturas de mercado financeiro.
A dimensão temporal do mercado também abrange, ainda, a possibilidade de uma negociação 24×7, notadamente com a popularização das exchanges de criptoativos. A Bolsa de Nova York (NYSE) divulgou que estuda a implementação de um sistema de negociação contínua, 24 horas por dia[4], à semelhança do modelo cripto. Essa mudança traria, de um lado, novas oportunidades de negócios, mas, por outro lado, a necessidade de adaptação dos sistemas de liquidação para acompanhar o ritmo acelerado das operações, aproximando ainda mais o mercado de capitais da liquidação em tempo real.
Gestoras e inteligência artificial
As gestoras de recursos estão cada vez mais utilizando a inteligência artificial para processar grandes volumes de dados e enfrentar a crescente complexidade dos mercados. Tradicionalmente, gestores precisavam de equipes de analistas especializados em setores específicos para analisar informações financeiras e tomar decisões de investimento. Algoritmos de machine learning permitem a investigação de padrões e a realização de projeções com base em dados diversos e complexos, automatizado boa parte do trabalho de equipes de analistas.
O Financial Times reportou dois exemplos interessantes nesse sentido[5]. No JP Morgan, a ferramenta “Moneyball” auxilia gestores a corrigir vieses em suas decisões e a identificar oportunidades de lucro, como evitar a venda prematura de ações de alto desempenho. A integração de IA aos processos de tomada de decisão permite não apenas monitorar múltiplos ativos simultaneamente, mas também aumentar a eficiência, poupando tempo e recursos humanos valiosos.
Outro exemplo mencionado pelo Financial Times é a Voya Investment Management, que integra IA em suas análises de risco, com sistemas virtuais capazes de identificar potenciais problemas em ações, complementando a análise humana e oferecendo feedback valioso sobre possíveis decisões de venda ou manutenção de ativos. Com essas inovações, o setor de gestão de ativos caminha para uma abordagem cada vez mais automatizada e precisa, onde a IA não apenas complementa, mas também direciona decisões cruciais.
A automação das decisões de investimento com IA também tem ganhado destaque, tanto em fundos quantitativos como naqueles que adotam estratégias de negociação de alta frequência (high-frequency trading), com negociações em frações de segundo, buscando lucrar com pequenas e rápidas variações de preço.
As gestoras também utilizam IA no rebalanceamento de carteiras, de modo a reduzir o custo de execução.
Ainda, a IA está transformando a maneira como as gestoras monitoram o sentimento do mercado. O uso de processamento de linguagem natural permite a análise de conteúdo de redes sociais, discursos políticos e notícias, capturando insights em tempo real do impacto sobre o mercado causado por eventos e declarações de autoridades, gestores e outros atores relevantes.
Exemplos brasileiros
O uso estratégico da tecnologia no mercado de capitais brasileiro tem proporcionado resultados expressivos, como exemplificado pela Oliveira Trust[6]. A empresa, ao adotar inovações tecnológicas, obteve, no segundo trimestre de 2024, com aumento de 36% no lucro líquido e 43% no EBITDA em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esses resultados são reflexo de uma combinação de otimização de processos e investimentos em ferramentas de ponta, como o assistente de inteligência artificial “OTzinho”, que automatiza tarefas rotineiras, gera alertas e resume operações.
Além disso, a Oliveira Trust integrou blockchain em sua infraestrutura, oferecendo serviços em tempo real para ações tokenizadas, consolidando sua liderança no mercado de CRI, CRA e debêntures com 40% de participação. Essa adoção tecnológica não só ampliou a eficiência operacional da empresa, mas também fortaleceu sua posição competitiva no mercado de capitais.
Outro exemplo notável é a Vórtx, infratech que, ao oferecer infraestrutura de crédito por meio de uma Sociedade de Crédito Direto (SCD)[7], expandiu seu portfólio de serviços financeiros. A empresa, que já gerenciava mais de meio trilhão de reais em ativos, agora disponibiliza soluções completas de “banking as a servisse”. Esse avanço tecnológico facilita desde a originação de financiamentos até a emissão de cartões de crédito, proporcionando uma estrutura integrada e escalável para seus clientes.
Merece destaque também o projeto TIDC (Token de Investimento em Direitos Creditórios) desenvolvido pela Liqi Digital Assets[8], que utiliza a tecnologia blockchain para tokenizar direitos creditórios, permitindo que investidores adquiram frações de ativos tokenizados, aumentando o leque de opções de investimentos.
Futuro presente
A digitalização dos serviços financeiros deve continuar a avançar, trazendo novas oportunidades para personalização em grande escala, além de ganhos operacionais.
A inovação, se bem direcionada, pode não apenas incrementar a rentabilidade das instituições financeiras, mas, principalmente, facilitar o acesso ao mercado tanto para empresas como para investidores. Infelizmente, ainda há muitos obstáculos para a efetiva concretização do ideal “democrático” expresso nas primeiras páginas de qualquer livro-texto sobre mercado financeiro, quando o papel do mercado é apresentado como sendo o de aproximar tomadores de poupadores.
Um futuro possível – e desejável – para o mercado de capitais é aquele em que a tecnologia nos ajudará a atenuar a fricção e custos decorrentes da concentração de poder econômico, da burocracia mal direcionada e pouco efetiva das normas e, em especial, da exploração de assimetria de informações que geram “peso morto” e ajudam na captura da riqueza gerada pelo mercado nas mãos de poucas instituições.
*Isac Costa é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.
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