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Criptoativos e más influências: mistura explosiva

Apesar do clamor por cautela em operações em bolsa e investimentos em geral, proliferam anúncios sobre como ficar rico, não raro envolvendo instrumentos sofisticados como opções ou contratos futuros ou, então, voláteis e pouco regulados como os criptoativos. O fascínio do grande público é maior se a estratégia se valer de termos da moda como “arbitragem em criptoativos” ou “robô-traders que utilizam inteligência artificial”.

Na economia de criadores e redes sociais, é preciso lembrar o conselho de nossos pais sobre ter cuidado com “más influências”. Tornou-se lugar comum a oferta de cursos sobre vender cursos, onde a esperança de uma renda extra ou liberdade financeira é o combustível para uma pirâmide de marketing digital e programas de afiliados.

Algo semelhante ocorre com a oferta de cursos sobre métodos de investimentos. Há controvérsia acadêmica sobre a eficácia da análise gráfica ou a probabilidade de sucesso de investidores de varejo como day traders, mas ninguém gosta de ouvir que não é capaz de vencer o mercado. Some-se a isso a mistura de dopamina e esperança, que alimentam a vontade de transformar probabilidades em dinheiro.

Recentemente, a CVM divulgou uma audiência pública sobre as regras aplicáveis a influencers financeiros, após conduzir uma análise de impacto regulatório. O regulador brasileiro busca comentários do mercado acerca de três perspectivas envolvendo o tema.

Primeiro, em matéria de contratação e transparência, a preocupação é evidenciar os acordos celebrados entre participantes do mercado e influencers, de modo a evidenciar conflitos de interesses nas recomendações.

Segundo, de modo mais genérico, a CVM busca subsídios para modernizar as normas sobre profissionais regulados (assessores, consultores, analistas e gestores, dentre outros) em face da divulgação de informações em mídias sociais, as quais possuem uma dinâmica peculiar, dada a diversidade de formatos, a maior frequência de postagens e fenômenos como a viralização de conteúdos e cancelamentos. Como aprendemos com o caso GameStop, o poder da coletividade em redes sociais pode impactar significativamente a formação de preços no mercado, facilitando manipulação e propagação de informações falsas.

Terceiro, a CVM preocupa-se com a atuação de influencers na efetiva recomendação de compra ou venda de valores mobiliários, aproximando-os da profissão de analista.

O escopo da atividade de analista de valores mobiliários é delimitado pelo conceito de “relatório de análise”, concebido no formato típico das casas de research, mas hoje radicalmente modificado diante da flexibilidade com que conteúdos podem ser publicados.

Nesses casos, a regulação vigente exige a autorização prévia pela CVM como forma de assegurar requisitos mínimos para que um profissional possa recomendar investimentos.

Os três pontos trazidos na consulta pública são fundamentais, mas há um desafio adicional nesse último ponto. Nem sempre o influencer será um profissional autorizado pela CVM e nem sempre o investimento divulgado terá sido objeto de registro na autarquia.

Uma situação provável – e recorrente no passado recente – é a oferta de produtos diversos que, em última análise, são contratos de investimento coletivo que prometem benefícios econômicos que resultarão do esforço de terceiros, ou, em outros termos, valores mobiliários. Por exemplo, alguém que sugere um investimento em uma carteira de criptoativos (que não sejam valores mobiliários) estaria no radar da CVM?

Outro ponto importante é a dificuldade de fiscalização. Não como o regulador vasculhar todos os TikToks e stories do Instagram, dependendo, na maioria das vezes, de denúncias ou de matérias na mídia. Nessas situações, o estrago acaba sendo feito e a atuação sancionadora chega tarde demais.

Ainda, a efetividade da regulação pode ser comprometida sem a presença de instrumentos que inibam mecanismos que explorem os vieses cognitivos dos investidores. À semelhança do que ocorreu na publicidade de cigarros, poderíamos pensar na indicação obrigatória dos riscos dos produtos financeiros oferecidos, atenuando gatilhos psicológicos comumente utilizados nas publicações em redes sociais.

Acredito que tanto a regulação financeira como a disciplina da publicidade ainda estão tentando compreender os riscos e pensar em formas de mitigá-los por meio de normas jurídicas. A disrupção das redes sociais não se deu apenas nos modelos de negócios, mas também nos meios de propagação de ideias – boas e ruins.

 


 

*Isac Costa é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec, do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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