Isac Costa*
Nos anos 1980, era comum associar cigarros a esportes radicais e aventura, graças aos anúncios veiculados na televisão e aos patrocínios de diversas modalidades esportivas. À medida que a ciência superou a propaganda, a associação entre cigarros e saúde tornou-se inviável. Atualmente, além das proibições e da tributação diferenciada, há as conhecidas imagens que ilustram os efeitos colaterais com o intuito de enfatizar os riscos do produto para o público em geral.
Poderíamos pensar em algo parecido para os influenciadores financeiros? Uma primeira objeção é a tutela da liberdade econômica, afinal, esses profissionais estão apenas se valendo de sua fama para veicularem oportunidades. Porém, penso o risco de perdas irreparáveis a indivíduos precisa ser levado em consideração, talvez até mesmo equivalente, ainda que em menor grau, a um problema de saúde como o câncer de pulmão. Perder as economias de uma vida inteira ou endividar-se em função de um vício de aposta (em cavalos, bingo, ações, futuros ou opções) pode ter um efeito devastador em na vida de um indivíduo e de sua família.
O fascínio das cotações em movimento leva as pessoas a se comportarem como apostadores e não como investidores. Suas decisões são impulsivas e irrefletidas e, não raro, formam-se espirais negativas em que, para buscar compensar os prejuízos sofridos, o cacife das apostas aumenta ainda mais.
Pouco se fala sobre o vício de “jogar na bolsa” como uma questão de saúde pública. E o problema é agravado por influenciadores que não necessariamente estão comprometidos com educação financeira e a adequação de “oportunidades” que divulgam com o perfil de risco de pessoas de sua audiência. Ou, ainda, recomendam produtos simplesmente por terem sido pagos para isso, do mesmo modo que uma atriz com cabelos reluzentes que utiliza inúmeros produtos topa protagonizar um comercial de um xampu barato, cujos efeitos não são os descritos no anúncio.
Qual é o limite para que nós, enquanto sociedade, exigimos que o direito intervenha a ponto de evidenciar conflitos de interesses nesse tipo de publicidade, ou mesmo mitigar a predação de investidores com base em seus vieses cognitivos? Qual é o limite que consideramos socialmente aceitável para a criação, por meio de anúncios, de um “medo de ficar de fora” ou de exageros na criação de uma escassez artificial, de um estímulo a tomar uma decisão de forma apressada e pouco refletida?
A regulação de influenciadores financeiros está no radar da Comissão de Valores Mobiliários. Um estudo elaborado pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da autarquia traz como principal sugestão a evidenciação de remuneração recebida para divulgar determinado produto financeiro.
Penso que podemos ir além.
Com a proliferação de influenciadores digitais, muitas ofertas públicas de contratos de investimento coletivo são realizadas sem que a CVM tenha capacidade de avaliar o que está sendo oferecido aos investidores. Casos como Atlas Quantum e Faraó dos Bitcoins ganharam proporções relevantes em razão do atraso na atuação do regulador, normalmente em virtude do intrincado exame da presença dos requisitos para a caracterização do título ou contrato ofertado como valor mobiliário.
Assim, o público em geral é exposto aos mais diversos esquemas, envolvendo suposto investimento em projetos usualmente fictícios ou fraudulentos. Esses eventos causam perplexidade diante da abrangência da regulação existente e dos encargos impostos aos participantes do mercado.
Nesse contexto, podemos pensar em uma solução mais rápida que prescinda, em um primeiro momento da atuação da CVM: qualquer pessoa que fizer publicidade acerca de uma oportunidade de investimento deverá informar sua audiência de forma clara e visível a razão pela qual entende que o referido investimento não precisa ser registrado na CVM e, ainda, se quem está realizando a oferta possui a autorização necessária para recomendar investimentos e se está sendo remunerado para isso.
Assim, utilizamos a abordagem “pratique ou explique”, que foi adotada na publicação dos Informes de Governança Corporativa, segundo as normas da CVM e recomendações do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A fiscalização do cumprimento desse dever de informação poderia ficar a cargo de órgãos de defesa do consumidor ou de fiscalização de publicidade, que têm maior capilaridade.
Além de constranger os ofertantes (à semelhança do que ocorre com as imagens em maços de cigarro), essa medida permite sua conscientização e respeito da eventual necessidade de obtenção de registro junto à CVM ou, no limite, a obtenção de evidências sobre sua conduta para apuração posterior de responsabilidade por oferta irregular.
Desse modo, por meio de uma regulação com base em incentivos, talvez não consigamos eliminar o problema, mas, ao menos, impor encargos à publicidade que pode ser nociva à saúde financeira dos investidores.
*Isac Costa é sócio de Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.
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