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O devedor do meu cliente possui criptoativos. Posso penhorá- los?


O devedor do meu cliente possui criptoativos. Posso penhorá los? 

Antes de enfrentar a pergunta acima, é preciso compreender o que são criptoativos, como  esses ativos são custodiados e transacionados para, somente depois, verificar a  possibilidade de penhorá-los. 

 

  1. CRIPTOATIVOS E SUAS PECULIARIDADES 

No que se refere ao seu conceito, os criptoativos são o subconjunto de ativos digitais,  dotados de expressão econômica, que utiliza criptografia para proteger dados e se vale da  tecnologia de registro distribuído (Blockchain) para registrar transações. Por possuírem  essa característica, a sua transferência, armazenamento e negociação ocorrem  eletronicamente.  

Ressalta-se, ainda, que fazem parte desse grupo de ativos os NFt’s, criptomoedas e outros  tokens fungíveis (ERC-20). 

No Brasil, até o presente momento, não existe nenhuma lei vigente regulamentando os  criptoativos, o que se tem mais próximo disso é a IN nº 1888 da Receita Federal do Brasil,  que, por sua vez, conceitua os criptoativos como sendo:  

 

Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa,  

considera-se: 

I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em  

sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em  

moeda soberana local ou estrangeira, transacionado  

eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias  

de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de  

investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a  

serviços, e que não constitui moeda de curso legal; (grifo nosso).


Estando esses criptoativos inseridos em um ambiente descentralizado, principalmente por  estarem atrelados à Web 3 – conceito que representa a nova geração da internet, pautada  em ideias democráticas e disruptivas – a dinâmica por trás da sua utilização é bastante  diferente da convencionalmente conhecida. 

É que por afastar a presença de terceiros intermediários, não são os bancos quem  custodiam ou até mesmo facilitam a negociação desses ativos, que, em regra, são  realizados pelo próprio usuário e, em outros casos, por uma corretora de criptoativos  (Exchange). 

Desse modo, se a custódia for realizada pelos próprios detentores dos ativos, os usuários  precisam possuir uma carteira digital (Wallet) para guardar os seus criptoativos, somente  podendo acessá-los através da sua chave privada (seed phrase), representada por uma  sequência de 12 palavras, sem a qual os ativos restarão inacessíveis. 

Assim, resta evidente que somente o portador das chaves privadas de uma determinada  carteira é quem pode ter o acesso aos ativos nela inseridos. 

A transação de criptoativos, por seu turno, também traz consigo certa dificuldade, porque,  por usar criptografia para proteger dados, as suas transações ocorrem de maneira  totalmente anônima, preservando-se a identidade tanto de quem o está enviando como de  quem o está recebendo.  

A identificação dos agentes que atuam nesse cenário ocorre por meio de uma chave  pública, representada por uma sequência alfanumérica, que passa a ser a identidade de  cada usuário na rede. Isso dificulta, sobremaneira, saber quem está por trás daquele  identificador digital. 

Salienta-se, ademais, que existem duas formas de se transacionar criptoativos de maneira  direta (peer-to-peer) e através de intermediários (via Exchange de criptoativos). 

No primeiro caso, os participantes transacionam os ativos diretamente entre eles, não  havendo a participação de mais nenhum terceiro interessado. 


Na segunda hipótese, todavia, as transações são realizadas por meio de uma Exchange de  criptoativos que atuam de maneira similar a uma instituição financeira, facilitando a  compra e venda dos recursos entre os interessados. 

Esclarece-se, que o conceito de Exchange está disciplinado no art. 5º, II, da IN 1888, da  RFB1, pelo qual é entendida como a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece  serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação,  negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive  outros criptoativos. 

Registre-se, outrossim, que como bem informado pelo art. 5º, I, da IN 1888 da RFB, transcrito em linhas pretéritas, o fato de os criptoativos poderem ser usados como forma  de investimento, bem como servir de meio para aquisição de bens e serviços fazem deles  um recurso atrativo não somente para investidores como também para o público em geral,  sobretudo no Brasil. 

Isso é bem verdade que, no início do ano de 2022, a corretora norte americana TripleA  realizou uma pesquisa para verificar a aderência do público aos criptoativos, e como  resultado, chegou-se à conclusão de que o Brasil está entre os cinco países com maior  número de investidores cripto, atingindo um número de 10 milhões de brasileiros 

inseridos nesse mercado.2 

 

1 Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se: 

II – exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços  referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e  que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos. 

Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com  criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de  criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços. 

 

Não apenas isso, a Receita Federal do Brasil divulgou em setembro de 2022, um relatório  informando que o número de brasileiros portadores de criptoativos subiu 200% se  comparado ao início do ano.3 

Esses números demonstram que há uma grande chance de o devedor do seu cliente possuir  recursos alocados em criptoativos, o que torna importante saber se é possível penhorá los, em eventual ação judicial. 

A resposta para essa indagação só pode ser afirmativa, mas antes é necessário fazer  algumas digressões. 

 

  1. PENHORA 

 

Inicialmente, é preciso destacar que, após a alteração realizada pela Lei nº 14.195/21, a  prescrição intercorrente, denominação atribuída a prescrição que ocorre no curso do  processo judicial, se tornou bastante severa para o credor que busca alcançar o seu crédito  por meio de uma ação executiva. 

De acordo com novo regramento a incidência da prescrição intercorrente não mais está  vinculada ao término do prazo de suspensão da execução, passando a correr desde a  ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis,  a teor do que contém a nova redação conferida ao art. 921, § 4º, CPC4.  

Assim, é de suma importância o advogado do credor ter conhecimento dos principais  locais que podem estar alocados os recursos do devedor para, então, obter uma penhora  efetiva, antes de a ação de execução ser fulminada pela prescrição intercorrente. 

  


Isto posto, o instituto da penhora está previsto no art. 835, CPC,5por meio do qual estipula  a ordem de bens penhoráveis, destacando, em seu parágrafo primeiro, que a penhora se  dará, preferencialmente, em dinheiro. 

Para se chegar à penhora de dinheiro fiduciário, o credor deve requerer a cooperação do  órgão judicial que irá recorrer ao sistema do Sisbajud para concretizar o ato. 

  

5Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: 

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; 

II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; 

IV – veículos de via terrestre; 

V – bens imóveis; 

VI – bens móveis em geral; 

VII – semoventes; 

VIII – navios e aeronaves; 

IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; 

X – percentual do faturamento de empresa devedora; 

XI – pedras e metais preciosos; 

XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos. 

  • 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista  no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Esse sistema possui integração com as instituições financeiras tradicionais, o que permite  ao judiciário obter informações monetárias, afastar sigilo bancário, realizar bloqueios e  desbloqueios de contas e transferir valores. 

Destaca-se, ainda, que o CNJ lançou esse ano o sistema “SNIPER”, pelo qual dará maior  facilidade na busca de ativos do devedor. Essa medida foi instaurada para acelerar o  encerramento de execuções em andamento, estas que representam 58% do total de  processos pendentes em todo o Brasil. 


  1. PENHORA DE CRIPTOATIVOS 

Não integrando, os criptoativos, o sistema financeiro nacional, eis que não são  considerados moedas de curso legal, a utilização do Sisbajud para rastreá-los se mostrará  insuficiente. 

No entanto, caso as transações sejam realizadas através de exchanges é possível, por meio da aplicação da IN 1888 da RFB, haver o rastreio desses ativos, mas para isso será  necessário adotar um procedimento diverso daquele habitualmente utilizado para  penhorar moeda fiduciária. Isto porque o sistema utilizado pelo tribunal para efetivar essa  busca não possui integração com o sistema das corretoras de criptoativos. 

Desse modo, o primeiro passo a ser tomado é requerer ao juiz que realize pesquisa, via  Infojud, para verificar se nas últimas declarações de imposto de renda daquele executado foi informado algum ganho patrimonial oriundo de operações/transações de criptoativos. 

Caso o resultado dessa pesquisa seja negativo, o ideal é requerer a expedição de ofício  para a Receita Federal, para que esta informe ao juízo se aquele executado realizou  alguma transação de criptoativos por meio de Exchanges. 

Essa medida se mostra pertinente porque o art. 6º, § 2º, da IN 1888, da RFB6, impõe as  corretoras de criptoativos a obrigação de prestar informações sobre toda operação  realizada dentro de sua plataforma. 

  

6 Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º: 

I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;


Isso somente é possível porque para se adequar as normas de prevenção de crimes de  lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, impostas pelo GAFI (Grupo de Ação  Financeira Internacional), as Exchanges são obrigadas a realizar o KYC (Know Your  Costumer) de seus usuários, que nada mais é do que colher os dados pessoais de cada  consumidor, identificando-os, antes de permitir o uso dos seus serviços. 

É possível, ainda, que o sistema SNIPER forneça esses dados, já que, através dele, é  possível visualizar as informações, a relação de bens e ativos e as relações com outras  pessoas físicas e jurídicas.  

Assim, acredito que eventual relação mantida com uma Exchange poderia ser identificada  por esse sistema, porém, como até o presente momento ele não foi utilizado, não se pode  afirmar com segurança esse fato. De toda forma, basta seguir o procedimento informado  em linhas pretéritas que o resultado prático será efetivado. 

Dessa maneira, após receber as informações da receita federal, será possível saber quais  Exchanges aquele devedor opera. A partir daí, basta requerer ao magistrado a expedição  de ofício para uma das corretoras indicadas pela receita, determinando a indisponibilidade  dos criptoativos em nome do executado, até o limite da execução, ficando a Exchange 

  

II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando: 

  1. a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
  2. b) as operações não forem realizadas em exchange.
  • 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais). § 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir: 

 

I – compra e venda; 

II – permuta; 

III – doação; 

IV – transferência de criptoativo para a exchange; 

V – retirada de criptoativo da exchange; 

VI – cessão temporária (aluguel); 

VII – dação em pagamento; 

VIII – emissão; e 

IX – outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.


impedida de efetuar qualquer tipo de operação com aqueles ativos, sob pena de multa (art.  854 c/c 537, ambos do CPC).7 

Após a corretora informar a quantidade de criptoativos, atribuídos ao CPF do devedor,  existentes em sua plataforma, o juiz determinará a convolação do bloqueio em penhora. A Exchange, então, irá liquidar aquele saldo e transferir o resultado da venda para uma  conta judicial. 

Dessa forma, se teria realizado uma penhora direta de criptoativos. Entretanto, caso o juiz  entenda não ser possível a penhora direta, por compreender que o saldo existente nas  Exchanges não se trata de criptoativos propriamente dito, basta argumentar pela  possibilidade de aplicação do art. 855 do CPC, artigo que trata sobre a penhora de crédito,  já que o executado, no momento que deixa os seus recursos digitais alocados em  corretora, se torna credor desta. 

Se o devedor apenas transacionar os seus criptoativos via peer-to-peer, por não se ter o  controle quanto a declaração, vez que podem ser sonegados em razão do anonimato, bem  como o fato de somente ele ter o acesso as chaves privadas respectivas, alcançar esses ativos será muito mais complexo se comparado quando estão depositados em uma  Exchange. 

Será imprescindível, desse modo, uma atuação especializada de um advogado para  demonstrar para o juiz, através da técnica e da criatividade, que é o caso de aplicar  medidas coercitivas, a exemplo das astreintes, para compelir o devedor a apresentar os  ativos em juízo. 

Ressalta-se, por fim, que casos envolvendo golpes de pirâmide financeira são bem  delicados e exigem uma atuação célere do lesado para ter maiores chances de reaver o  

  

7 Art. 854: Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a  requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições  financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro  nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a  indisponibilidade ao valor indicado na execução 

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em  tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a  obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.


dinheiro investido. Assim, contratar um profissional que saiba como formular, de maneira  técnica e assertiva, o pedido de tutela liminar em casos como esses é crucial para o  atingimento de um resultado positivo ao final do processo. 

___________________________________ 

Jorge Barros é advogado especializado em  

estruturação de negócios Blockchain e na  

proteção de investidores contra Golpes de  

Pirâmides Financeiras.

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