Em 2015, diante da percepção generalizada de que criptoativos (então referidos apenas como criptomoedas) seriam utilizados apenas para lavar dinheiro ou sonegar impostos, o primeiro projeto de lei sobre o tema foi proposto no Brasil para criminalizar a sua negociação.
Quase dez anos depois, diversas instituições financeiras criaram unidades de negócios voltadas a ativos virtuais, produtos regulados tiveram adesão relevante de investidores (caso dos ETFs), o setor conta com uma associação forte (abcripto) e os reguladores se debruçam cada vez mais sobre o tema, notadamente o Banco Central do Brasil, que encerrou há pouco consulta pública para colher subsídios para dar seguimento à disciplina jurídica deflagrada pela Lei nº 14.478/2022.
Ainda há muito ceticismo a respeito da criptoeconomia, especialmente em razão do histórico de ataques cibernéticos, das pirâmides que prometem lucro rápido e sem risco, da grande volatilidade dos preços suscetíveis a manipulações, da opacidade e tendência de parte do setor de operar à margem da regulação, bem como dos colapsos de projetos e empresas ao longo do caminho.
Entretanto, o maior obstáculo para o florescimento do setor ainda é a ignorância acerca dos seus potenciais e riscos. Não é tarefa fácil compreender o que é um sistema descentralizado e suas vantagens em relação à infraestrutura tradicional do mercado financeiro. Igualmente, a experiência de usuário no tocante ao controle da propriedade de criptoativos em face dos riscos de segurança da informação ainda gera dificuldades para investidores comuns.
Some-se a isso a quase impossível tarefa de precificar esses ativos com base em modelos econômicos, dada a inexistência de informações tradicionais como demonstrações financeiras, projeções, dividendos ou juros. Na maior parte dos casos, o movimento dos preços é pura reação a divulgações que nem sempre guardam relação direta com um ativo específico, tais como a expectativa em torno da aprovação de ETFs, proibições de ações de enforcement de reguladores, manifestações de bancos centrais e até mesmo tweets de Elon Musk sobre o tema (hoje mais raros).
Adicionalmente, embora tenhamos uma lei no Brasil desde o final de 2022, seus efeitos ainda vão levar algum tempo para serem percebidos no mercado. Hoje sua eficácia é mais simbólica, sinalizando ao mercado que quem deseja investir no setor terá alguma segurança jurídica e que, ao contrário do que chegou a ser sugerido no debate público sobre o tema, os criptoativos não serão tratados como meras apostas ou fichas de cassino, o que lhes dá maior legitimidade.
Podemos afirmar que as febres e rompantes passageiros dos últimos anos marcaram a “adolescência” do setor e conceitos como “web3” e “economia descentralizada” ainda serão construídos pelo mercado, na esperança de colocar os usuários como protagonistas da internet no lugar das Big Techs.
A maioridade do setor, a meu ver, ainda carece de um momento semelhante ao lançamento do iPhone ou do ChatGPT, quando foi possível perceber, sem muito esforço, que essas novas tecnologias haviam chegado para mudar a forma como nos relacionamos, aprendemos e trabalhamos.
Até o presente, a par de projetos experimentais, ainda não está claro, pelo menos para os “não iniciados” que associam a tecnologia blockchain a bitcoin e fraudes, qual é o potencial disruptivo das tecnologias descentralizadas em aplicações em cadeias de suprimentos, registros de direitos de propriedade, emissão e circulação de títulos, validação de documentos, interoperabilidade entre sistemas e simplificação e redução de custos no mercado financeiro, dentre outras possibilidades aventadas ao longo do caminho.
Por ora, um movimento que foi iniciado para contestar o poder do Estado e das instituições financeiras ainda tem contado com o apoio desses antagonistas para se legitimar e se desenvolver, seja pela criação de uma regulação que propicie maior segurança jurídica, seja por investimentos relevantes em projetos e empresas no setor. O “filho rebelde” parece ainda não ter conseguido autonomia para sair da casa de seus pais.
Dado que não podemos subestimar a irracionalidade do mercado, é perfeitamente compreensível o ceticismo daqueles que ainda consideram que criptoativos são as tulipas holandesas do século XXI e que os ganhos obtidos pelos atores do setor, ainda que vultosos em alguns casos, são meros reflexos de uma “irracionalidade exuberante”, tal como descrita por Robert Shiller.
Por outro lado, há quem considere que os resultados obtidos em termos de número de investidores, volumes financeiros, investimentos e projetos no setor justificam que não é mais necessário provar nada a ninguém. Afinal, quando olhamos de perto, não há grandes diferenças entre as narrativas do setor e as do mercado tradicional: no fundo, navegar pelo acaso e pela incerteza requerem uma boa dose de fé, ainda que esta venha disfarçada de modelos estatísticos sofisticados.
Nesse contexto, penso que a única certeza é a de que, para quem se interessa pelo futuro do mercado financeiro e o impacto das tecnologias emergentes na sociedade, não é possível permanecer indiferente à criptoeconomia.
*Isac Costa é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec, do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.
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