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TOKENIZAR AÇÕES DE UMA SOCIEDADE ANÔNIMA É VIÁVEL?

Nos últimos tempos, um dos principais assuntos trazidos a debate é a tokenização de valores mobiliários e como ela pode ser feita. A tokenização de ações e seu mercado ainda estão em estágio embrionário, tendo em vista se tratar de Sociedades Anônimas.

A sociedade anônima é um tipo societário bastante atrativo para empreendimentos maiores. Por conta da sua natureza capitalista, não é necessário que o estatuto social identifique o acionista, dessa forma, a transferência de ações para uma pessoa alheia independe da anuência dos outros ou de alterações do ato constitutivo.

Uma das opções para constituição de Sociedade Anônima é por meio da subscrição particular, sendo o procedimento mais simplificado por não haver a captação de recursos junto a investidores no mercado de capitais. Nesse caso, podem ser adotados duas modalidades de constituição: realizando assembléia dos subscritores ou por meio de lavratura de escritura pública em cartório.

Está contido nos deveres de todo empresário a escrituração. Além da escrituração dos livros, que é obrigatória para todas as sociedades empresárias, a Lei de Sociedades Anônimas também determina que são obrigatórios para as S/As o livro de Registro de Ações Nominativas, o livro de “Transferência de Ações Nominativas”, livro de Atas das Assembleias Gerais, entre muitos outros.

Com o advento da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), ampliou-se a possibilidade de utilização de documentos eletrônicos, alterando o artigo 2º-A da Lei nº 12.682/2012, e passou a ser autorizado o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos particulares.

O armazenamento em meio eletrônico é uma técnica que pode ser aplicada tanto aos documentos já criados em formato digital, quanto aos que foram criados em suporte de papel e que venham a ser digitalizados e convertidos para o formato de código digital.

Dessa forma, é perfeitamente possível que se convencione o uso da blockchain como método de certificação, assim, tudo o que for documentado e não houver oposição pela outra parte será suficiente para assegurar a autenticidade, integridade e confidencialidade do documento eletrônico.

Nesse sentido, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração emitiu a Resolução nº 82, que em seu artigo 3º regulamenta que os livros devem ser exclusivamente digitais, podendo ser produzidos ou lançados em plataformas eletrônicas, armazenadas ou não nos servidores das Juntas Comerciais, contanto que os sistemas eletrônicos utilizados garantam a segurança, a confiabilidade e a inviolabilidade dos dados.

Conforme descrito acima, a utilização da blockchain se encaixa nos critérios exigidos para o sistema eletrônico, podendo as partes convencionarem que a comprovação da autoria, integridade e confidencialidade de determinado documento seja feita por meio da blockchain. Além disso, as características próprias dessa tecnologia, como a imutabilidade e a transparência, favorecem a criação de um sistema de confiança para os usuários.

A partir disso foi possível a criação da Trustt Digital, primeira Sociedade Anônima tokenizada no Brasil. Em live, o seu CEO afirma que ao realizar o registro da sociedade na junta comercial apenas indicou o endereço de smart contract que os documentos estariam vinculados. Já no caso de constituição por meio de subscrição pública, as formalidades serão mais específicas, por envolver a autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para permissão da abertura de seu capital. Deve ainda contratar uma instituição financeira especializada para suceder com a disponibilização das ações aos investidores interessados.

A CVM estará envolvida no processo de subscrição pública, pois, conforme o inciso I do artigo 2º da Lei nº 6.385/76, a ação é considerada como valor mobiliário, e a sua emissão depende da instituição custodiante e/ou depositante e de um agente escriturário. Ainda, caso a S/A pretenda tokenizar as ações, por ser valor mobiliário, continuará sob o crivo da CVM, conforme parecer de orientação nº 40 da CVM.

Quanto ao security token, a grande problemática se dá em virtude de estes não serem autorizados no país atualmente, dado que não basta a autorização, o responsável por negociá-lo deve ser licenciado. A admissão à negociação secundária de qualquer valor mobiliário, inclusive aqueles representados na forma dos criptoativos, deve ocorrer em mercados organizados que possuam autorização da CVM, nos termos da Resolução CVM nº 135/22.

No Brasil, a única empresa autorizada a oferecer mercado secundário de título mobiliário é a B3, contudo, esta não tem suporte tecnológico para oferecer token, e no momento não existe nenhuma exchange autorizada a oferecer mercado secundário de título mobiliário. Dessa forma seria possível a sua comercialização no mercado primário (mercado de balcão), mas não no secundário, por conta da limitação de negociação.

Importante ressaltar que qualquer ativo deve ser listado e depositado junto à depositária central, transferindo a sua titularidade fiduciária para a B3, porém, como nunca foi prevista, essa transferência é complexa.

Até o momento não há perspectiva de quando a tokenização de ações de sociedades anônimas de capital aberto poderá ser emitida. Enquanto isso, a CVM discute com o mercado acerca de uma blockchain própria para tokenizar seus ativos. Será criada uma blockchain única? Vão utilizar uma blockchain pública já estabelecida? Como funcionará a interoperabilidade caso se utilize blockchains diferentes? Ao que tudo indica, essas perguntas somente poderão ser respondidas no futuro.

Igor Coqueiro
Instagram – @igor.coqueiro

REFERÊNCIAS
BRASÍLIA. DREI. INSTRUÇÃO NORMATIVA DREI/SGD/ME Nº 82, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2021.
Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/legislacoesfederais/IN822021RevogaasINs1169751.pdf.
BRASIL. Lei nº 6.385/76, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e
cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm.
CRUZ, André Santa. Manual de Direito Empresarial – Volume Único. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
GUSSON, Cassio. Brasileiro cria a primeira empresa de sociedade anônima tokenizada do país.
Disponível em:https://cointelegraph.com.br/news/brazilian-creates-is-the-first-tokenized-jointstock-company-in-the-country.
RIO DE JANEIRO. CVM. PARECER DE ORIENTAÇÃO CVM nº 40, DE 11 DE OUTUBRO DE 2022. Dispõe
sobre Os CriptoAtivos e o Mercado de Valores Mobiliários. Disponível em:
https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceresorientacao/anexos/Pare040.pdf.

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