Trump, Harris e a batalha pelo futuro cripto

Trump, Harris e a batalha pelo futuro cripto

Norte-americanos que investem em criptoativos estão atentos à acirrada disputa pela Casa Branca, pois o futuro da criptoeconomia naquele país – e no restante do mundo, pode-se dizer – dependerá da abordagem regulatória a ser adotada no futuro próximo.

Embora a vitória de Kamala Harris ou Donald Trump dependa de questões mais complexas como preços de alimentos, saúde e empregos, o setor cripto ganhou influência em Washington.

Grandes empresas de ativos virtuais investiram milhões em lobby e na mobilização de eleitores e celebridades pró-cripto. De acordo com estudo da Public Citizen, empresas do setor contribuíram com 48% das doações (cerca US$ 140 milhões). As maiores quantias vieram da Coinbase e da Ripple, duas empresas na linha de frente na luta por uma regulação mais favorável.

“O eleitor de criptomoedas é real, bipartidário e está pronto para se envolver”, disse o diretor executivo da Stand With Crypto, um grupo de lobby financiado pela Coinbase, segundo o qual, mais de 52 milhões de americanos detêm criptoativos (qBuase um quinto da população).

Apesar da suposta hostilidade da administração Biden-Harris em relação aos criptoativos, como caracterizado por Trump, o valor do Bitcoin mais do que quadruplicou desde a eleição de 2020, atingindo um recorde histórico no início deste ano. O valor do mercado global de criptoativos quase sextuplicou no período.

Trump: de crítico a “criptopresidente”

Trump, que uma vez criticou os criptoativos como sendo um desastre potencial para investidores, agora as adotou como tema recorrente em seus discursos.

Durante sua campanha de 2024, Trump aceitou doações em criptoativos e defendeu que os EUA se tornem uma “capital mundial” do setor e prometeu criar uma reserva estratégica de Bitcoin. Sua posição lhe rendeu apoio de investidores proeminentes em cripto, como os capitalistas de risco Marc Andreessen e Ben Horowitz, os gêmeos Winklevoss e o cofundador da Kraken, Jesse Powell.

Os grupos de lobby têm como alvo o presidente da SEC, Gary Gensler. Em julho, na conferência Bitcoin 2024, Trump prometeu demitir Gensler em seu primeiro dia no cargo, promessa que foi recebida com aplausos.

Recentemente, a família Trump lançou o World Liberty Financial, uma iniciativa DeFi que permite aos usuários negociar, emprestar e tomar emprestado ativos digitais por meio de software automatizado. A missão do projeto é impulsionar a adoção em massa de stablecoins e finanças descentralizadas (DeFi), segundo a empresa.

O apoio de Trump ao setor cripto foi reforçado pelo lançamento de sua quarta coleção de NFTs em agosto. A venda de seus NFTs lhe rendeu cerca de US$ 10 milhões desde dezembro de 2022.

A abordagem dos Democratas

A administração Biden-Harris, de modo geral, defendeu a regulação dos criptoativos de forma análoga à dos outros valores mobiliários e a supervisão das de forma semelhante à realizada nas instituições tradicionais. Gary Gensler, indicado por Biden, tem sido considerado um inimigo do setor.

Kamala Harris recentemente expressou apoio a tecnologias inovadoras, incluindo IA e ativos digitais, enquanto se comprometeu a proteger investidores e consumidores. O investidor Mark Cuban, apoiador de Harris e crítico das políticas cripto de Biden, elogiou suas últimas declarações como um passo positivo.

Mania, ceticismo e expectativas

Um relatório da CoinGecko destacou o grupo das “criptomoedas políticas” como o segmento de melhor desempenho no mercado cripto em 2024, com um aumento impressionante de 782,4% entre janeiro e agosto. Esses ativos, classificados como um subconjunto das “moedas meme”, ganham popularidade ao explorar tópicos políticos em alta e atrair investidores por meio da formação de comunidades.

Charles Hoskinson, cofundador da blockchain Ethereum, expressou preocupações sobre a iniciativa cripto apoiada por Trump em uma entrevista ao Financial Times. Ele se mostrou cético quanto ao apoio de qualquer candidato presidencial a um setor de criptoativos forte nos EUA.

Hoskinson argumentou que, se o país aprovasse uma legislação clara para regular os criptoativos e parasse de “processar empresas e fechar contas bancárias”, poderia capturar “cinco a dez trilhões em ativos cripto” na próxima década. No entanto, ele se mostrou mais otimista sobre o papel potencial do legislativo na promoção desse crescimento.

Além da especulação de preços, a postura do próximo presidente dos EUA em relação aos criptoativos pode ter efeitos significativos de longo prazo na indústria. André Portilho, do BTG, ecoou sentimentos semelhantes durante o Morning Call Crypto, enfatizando que tecnologias transformadoras como as criptoativos exigem estruturas regulatórias para prosperar. Ele citou a evolução

dos sistemas de crédito e pagamento no Brasil como exemplos de como a flexibilidade regulatória pode impulsionar a inovação.

Portilho observou: “Não podemos ter uma tecnologia que vai mudar tudo sem uma regulação que permita isso. Grande parte das inovações que tivemos no Brasil em crédito e pagamentos aconteceu porque nossa regulação se flexibilizou ao longo dos anos e permitiu isso”.

Embora a influência real dos cripto-eleitores nas eleições federais dos EUA seja incerta e potencialmente superestimada, o resultado dessas eleições indubitavelmente moldará o futuro da criptoeconomia. O ambiente regulatório e a postura do presidente eleito determinarão se os EUA promoverão um ecossistema cripto próspero ou continuarão regulando por meio de enforcement das normas.

 


*Isac Costa é advogado, professor do Insper e da LegalBlocks. Doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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