No dia 04.04.2023 (terça-feira) a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Ofício Circular CVM/SSE 04/2023, cuja finalidade é tratar sobre os Tokens de Recebíveis ou Tokens de Renda fixa (TR).
Antes de mais nada, é preciso esclarecer o que são tokens de recebíveis para daí explorar o posicionamento firmado pela CVM e formalizado pelo Ofício Circular CVM/SSE 04/2023.
Em síntese, os Tokens de recebíveis são tokens referenciados a um ativo) real (asset-backed token), qual seja, um certificado de recebível (CR) – seja ele qual for, ou seja, tratam-se de representações digitais de CR registrados em blockchain.
Mais especificamente, certificado de recebíveis, de acordo com o art. 20 da Lei nº 14.430/22, são títulos de crédito nominativos emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, que constituem promessa de pagamento em dinheiro.
Pois bem. Partindo deste pressuposto, resta verificar se a CVM possui competência para regular a emissão de tais ativos.
Segundo a própria lei que trata dos certificados de recebíveis (Lei nº 14.430/22), mais especificamente o seu art. 20, parágrafo primeiro, os CRs ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários serão considerados títulos securitários.
Nota-se, portanto, a existência de previsão legal expressa afirmando que independente da natureza do certificado, se imobiliário ou do agronegócio, por exemplo, caso sejam ofertados publicamente, deverão seguir as normas da CVM, por se tratar de oferta de valores mobiliários.
A despeito desta previsão normativa, a CVM editou, no ano passado (2022) o parecer de nº 40 que busca dar uma certa clareza quanto a emissão de security tokens (tokens de valor mobiliário).
Nesse parecer, a autarquia ratificou os termos do art. 20, parágrafo primeiro, da Lei nº 14.430/22, ao afirmar que representações digitais de certificados de recebíveis em geral serão considerados valores mobiliários e, portanto, a oferta de tais ativos sem a estrita observância das normas do mercado de capitais será entendida como oferta irregular de valores mobiliários.
Registre-se, ademais, que oferta irregular de valores mobiliários impõe uma série de sanções de ordem administrativa, a exemplo de multas ou suspensão imediata da oferta, além de poder ser considerada crime contra o sistema financeiro nacional, o que implica em também em sanções de ordem penal.
Não se pode perder de vista, também, que tokens que dão direito a remuneração fixa podem ser entendidos como valores mobiliários, quando encarados como contratos de investimento coletivo (CIC), nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76, isto é, quando forem ofertados publicamente e gerar expectativa de benefício econômico a seus adquirentes, de sorte que esta remuneração derive do esforço de terceiros que não os holders.
Tal emissão, de igual forma, caso não observadas as normas da CVM, será considerada como oferta irregular.
Mesmo diante desse cenário, foi possível verificar nos últimos meses diversas emissões e ofertas públicas de tokens vinculados ou lastreados em direitos creditórios que, nos termos apresentados acima, são considerados títulos securitários.
Inclusive, big players do mercado chegaram a fazer a emissão de tais ativos, sob a alegação de que os tokens ofertados não preenchiam os requisitos necessários para serem considerados valores mobiliários.
Foi por isso que a CVM publicou Ofício Circular CVM/SSE 04/2023, entendendo que:
Os TRs (valores mobiliários) geralmente apresentam as seguintes características:
a) São ofertados publicamente por meio de “exchanges”, “tokenizadoras” ou outros meios;
b) Conferem remuneração fixa, variável ou mista ao investidor;
c) Podem ser representativos, vinculados ou lastreados em direitos creditórios ou títulos de dívida;
d) Os pagamentos de juros e amortização ao investidor decorrem do fluxo de caixa de um ou mais direitos creditórios ou títulos de dívida; e) Os direitos creditórios ou títulos de dívida representados pelos tokens são cedidos ou emitidos em favor dos investidores finais ou de terceiros que fazem a “custódia” do lastro em nome dos investidores;
f) A remuneração é definida por terceiro que pode ser o emissor do TR, o cedente, o estruturador ou qualquer agente envolvido na operação
A autarquia, inclusive, pontuou que, ainda que o token não se aproxime exatamente ao conceito de certificado de recebível, nos termos da Lei nº 14.430/22, é bastante provável que, por suas características, ele acabe incidindo no conceito de contrato de investimento coletivo (CIC), que detém a mesma natureza econômica dos CRs.
De todos os requisitos para a verificação de um contrato de investimento coletivo, a autarquia pontuou que, via de regra, o único que demandará uma análise casuística é a existência do esforço de terceiro nos lucros auferidos pelos investidores, sendo os demais facilmente verificados nos casos em geral.
A CVM destacou, nesse aspecto, que a relevância dos esforços de terceiros para a expectativa dos investidores é evidente, especialmente, quando:
(i) o investidor não tem acesso às informações financeiras do devedor e não analisa o seu risco de crédito para fins de determinação da taxa de desconto ou remuneração ou, ainda que tenha acesso, não tem a capacidade técnica para realizar tal análise; e, assim,
(ii) a decisão de investimento é sobretudo embasada pela confiança no esforço e na capacidade técnica de terceiro.
A autarquia, ainda, registrou que a oferta de tokens dessa natureza podem ser realizadas mediante plataformas de crowdfunfing, desde que cumpridos os diversos requisitos previstos na Resolução CVM nº 88/22.
No entanto, é preciso destacar que o crowdfunding impõe algumas limitações à oferta, a exemplo do limite de captação, que deve ser de R$ 15 milhões. Outros limites também são impostos, como o investimento máximo por investidor, receita anual da emissora e restrições temporais.
Nota-se, portanto, que a Comissão de Valores Mobiliários apenas colocou um ponto final em uma discussão que, aos meus olhos, não deveria existir, vez que a legislação é clara acerca da natureza econômica dos chamados Tokens de Recebíveis ou Tokens de Renda Fixa.
________________________________________
Jorge Barros
Instagram: Jorgelbarros_
Deixe seu comentário