Na quinta-feira passada (13) foi divulgada a sentença exarada pela Juíza Analisa Torres, nos autos do processo movido pela SEC em face da Ripple Labs Inc., empresa emissora dos tokens XRP, Bradley Garlinghouse e Christian A. Larsen, dois dos líderes seniores da Ripple.
Com esse processo a Securities and Exchange Comission (SEC) buscava o reconhecimento da irregularidade das emissões de XRP realizadas pela empresa bem como a consequente condenação dos demandados por infringirem as normas de valores mobiliários dos EUA, mais especificamente a Section 5 of the Securities Act of 1933, 15 U.S.C. §§ 77e(a) and (c).
Antes de mais nada, é preciso destacar que desde a sua fundação, a missão da Ripple tem sido realizar uma “Internet de Valor” usando tecnologia para facilitar a transferência de valor pela internet. Especificamente, a Ripple busca modernizar os pagamentos internacionais desenvolvendo uma rede global de pagamentos para as transferências internacionais de moeda. Por exemplo, a Ripple desenvolveu um produto de software chamado RippleNet, que permite aos clientes compensar e liquidar transações financeiras internacionais em termos mutuamente acordados.
É dizer, em um primeiro momento, é inapropriado afirmar que os tokens XRP possuem a finalidade de sevir como investimento, o que faz com que seja preciso analisar cada oferta mais detidamente.
Desta-se, ainda, que nenhum token XRP foi ofertado antes do lançamento da rede.
Nesse contexto, a SEC entendeu que as três ofertas realizadas pela Ripple foram irregulares e ilegais, sob a argumentação de que todas elas representam um contrato de investimento coletivo (CIC) – valor mobiliário – não registrado junto à Comissão.
A primeira oferta se refere a venda de tokens realizada para compradores institucionais, também chamadas de vendas institucionais (institucional Sales). Essa primeira venda foi formalizada por um contrato.
A segunda oferta irregular, de acordo com a SEC, se refere a venda de tokens da Ripple através de Exchanges de criptoativos. É preciso destacar que, na venda realizada através dessas plataformas de troca, a Ripple não sabia quem estava comprando o XRP e os compradores não sabiam quem estava vendendo. Essa oferta, ao contrário da primeira, não foi formalizada por qualquer documento.
Por fim, a última oferta apontada como irregular pela SEC se trata da distribuição de XRP para os seus empregados. A Ripple distribuía tokens como forma de pagamento pelos serviços prestados por seus funcionários. Igualmente ao cenário anterior, não houve formalização da respectiva oferta.
No entanto, de acordo com a juíza Torres, apenas uma das ofertas mencionadas foi, de fato, realizada irregularmente. Em suas razões de defesa, os réus informaram que nenhuma das ofertas poderiam ser consideradas como ofertas irregulares de contratos de investimentos coletivos por estarem ausentes alguns requisitos fundamentais para a sua configuração, requisitos esses que chamaram de “ingredientes essenciais do teste”.
Esses ingredientes consistiam na (I) existência de um contrato formal entre o emissor e os investidores, pelo qual seriam estabelecidos os direitos sobre o investimento; (II) que imponha obrigações de pós-venda ao emissor para tomar ações específicas em benefício do investidor; e (III) garanta o direito do investidor de participar dos resultados economicos obtidos através do esforço do emissor, em decorrência do investimento realizado pelo investidor.
Em que pese ter sido entendido que esses requisitos podem ser interessantes e pertinentes para a configuração de uma oferta como valor mobiliário, a Juíza Torres, entendeu que tais “ingredientes” não fazem parte do teste definido pela Suprema Corte norte americana, razão pela qual não poderiam ser levados em consideração.
Dessa forma, ao realizar a aplicação do Howey Test, a magistrada entendeu que a oferta realizada para investidores institucionais se tratava, em verdade, de um CIC, tendo em vista a existência de todos os requisitos permissivos para a sua consideração como tal.
No caso, houve um investimento em dinheiro por parte dos investidores institucionais, que foram investidos em um empreendimento comum, pelo fato de ter sido realizado um pool dos respectivos investimentos, tendo em vista que foram colocados em contas bancárias que, em que pese serem contas bancárias de subsidiárias da Ripple, era ela quem tinha acesso a controlava as repectivas movimentações financeiras. Além disso, foi considerado que o sucesso dos investidores institucionais dependeriam do sucesso da emissora.
Quanto ao terceiro ponto do Howey Test, a Juíza enfatizou que “expectativa de lucro” significa um retorno sobre renda, seja através do recebimento de dividendos ou outros pagamentos periodicos, ou, até mesmo, o aumento do valor do investimento (valorização do ativo adquirido). Esse ponto é importante, pois, aqui no Brasil, a CVM ainda não se posicionou, de maneira consolidada, no sentido de considerar a simples valorização periodica do ativo como motivo hábil a ensejar a verificação do 3 ponto do Howey test (vide, parecer de nº 40/22, CVM, página 8, nota de rodapé nº 18).
Em relação ao caso da Ripple, não era dificil de verificar que os compradores institucionais possuíam uma expectativa de lucro sobre o investimento realizado, prinicipalmente levando em consideração a intenção que esses compradores possuem ao realizar operações como essas. É claro que quando um fundo de investimento, por exemplo, participa de uma oferta como essa espera obter um retorno sobre o capital investido. É dizer, a expectativa de lucro, em casos que tais, faz parte da natureza do próprio negócio que estava sendo firmado entre a emissora e os compradores institucionais.
É preciso destacar, ainda, que o fato de o contrato firmado entre a emissora e os compradores institucionais possuir disposições vinculantes acerca da limitação do uso dos tokens XRP, como, por exemplo, a proibição de liquida-los no mercado secundário durante um certo periodo de tempo, deixa evidente a intenção dos compradores de especularem sobre o ativo que estavam adquirindo. Esses incentivos economicos inseridos no contrato são contraditórios a ideia de que os tokens estavam sendo adquidos, naquela transação (venda institucional), em razão do caráter utilitário que possuíam.
Registre-se, ademais, que, quanto ao quarto e último ponto do Howey Test norte americano, a expertise mantida por compradores institucionais permite concluir que a Ripple iria empreender esforços para aumentar a demanda pelos tokens XRP, o que, consequentemente, valorizaria o ativo por eles adquiridos, anteriormente. Em uma expressão, as manifestações públicas realizadas pelos representantes da Ripple, seja em suas redes sociais ou em aparições públicas, permitiram aos compradores institucionais acreditar que a Ripple iria se esforçar para garantir o retorno sobre o investimento.
Em relação as ofertas de XRP’s realizadas através de exchanges, é preciso enfatizar que, em relação à essas transações, o terceiro ponto do Howey test não resta satisfeito.
Sim, porque, ao contrário do que acontece na primeira venda (venda institucional), os compradores estavam adquirindo tokens XRP sem saber quem estava realizando a venda dos ativos e, ainda mais, para quem seus recursos estavam sendo enviados, se para a emissora ou para qualquer vendedor do mercado secundário. É dizer, nessa ocasião não se pode esperar que os compradores conscientemente esperavam obter expectativa de lucro através dos esforços da emissora.
Essa circunstância se torna ainda mais evidente quando resta ausente a presença de um documento escrito contendo provisões de bloqueio, restrições de revenda, cláusulas de indenização ou declarações de propósito, que poderia levar o comprador a conscientemente esperar um retorno decorrente do esforço de terceiros. Além disso, não se mostram presentes quaisquer indícios de que as manifestações e declarações realizadas pelos representantes da Ripple, de fato, se tratavam de representações da Ripple, enquanto instituição, e seus esforços.
Principalmente, levando em consideração a necessidade de se averiguar o nível de conhecimento técnico de cada um dos compradores que participaram dessas transações, capaz de permitir chegar a interpretação de que tais manifestações seriam consideradas um fator positivo para o investimento que estavam realizando.
Seguindo esse mesmo raciocínio, a Juíza, ainda, enfatizou que a existência de um motivo especulativo, seja por parte do vendedor ou do comprador, não evidencia, por si só, a existência de um contrato de investimento coletivo. É preciso acreditar que essa especulação decorre da confiança de que um terceiro irá empreender esforços para garantir o resultado positivo sobre o investimento realizado, condição subjetiva que, de acordo com as provas dos autos, não se mostrou presente, no caso das vendas de tokens XRP em exchanges.
Em relação a distribuição de XRP como forma de pagamento para os seus funcionários e prestadores de serviços, em razão do trabalho prestado, não se verifica a existência do primeiro
ponto do Howey Test, qual seja, o investimento em dinheiro por parte dos adquirientes dos tokens. Além disso, não existe qualquer evidencia nos autos, além de suposições da Comissão, que permita concluir que a Ripple utilizou esses colaboradores/empregados como pessoas interpostas, responsáveis por realizar a venda das suas XRP’s no mercado secundário, no intuito de obter financiamento para o projeto.
Dessa forma, seguindo o mesmo entendimento, a Juíza julgou os pedidos da SEC parcialmente procedentes, apenas condenando a Ripple e seus representantes quanto a primeira oferta de tokens realizada (vendas insitucionais).
A grande vitória para o mercado de criptoativos é que esse posicionamento abre um importante precedente que pode frear os enfrocements iniciados pela SEC contra a indústria de criptoativos, uma vez que, de acordo com esse posicionamento, não se mostra plausível considerar que os ativos que participam de uma oferta de contrato de investimento coletivo devem ser considerados, em sua essência, como valores mobiliários.
Em uma expressão, o entendimento seguido pela Juíza Torres ratifica o posicionamento seguido por este autor, no sentido de afirmar que a análise de um contrato de investimento coletivo deve recair sobre as transações realizadas e não sobre os ativos objetos da transação.
É dizer, tokens não são valores mobiliários, mas, a depender da forma que as suas transações forem realizadas, eles podem ser considerados como parte de um CIC, dependendo, é claro, dos fatos e circunstancias atinentes às transações envolvidas.
Destaca-se, no entanto, que contra a sentença exarada pela Juíza Torres cabe a apresentação de recursos para o triubunal de segundo circuito (segundo grau), ocasião em que o posicionamento anteriormente adotado poderá ser revisto e, eventualmente, alterado. Registre-se, ainda, que, a princípio, ambas as partes possuem o interesse em recorrer da decisão, eis que perderam em parcela dos pedidos efetuados.
No entanto, caso esse entendimento se confirme, será uma grande vitória para a industria de criptoativos, além, é claro, de servir como um baita precedente para ser utilizado pela Binance e Coinbase, nos processos em que figuram como rés.
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Jorge Barros, Co-fundador do Criptojur
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Othavio Andrade, entusiasta do mercado de criptoativos
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