Com a adoção da tecnologia blockchain houve um aumento significativo na quantidade de Initial Coin Offerings (ICOs). Essa adoção exponencial decorre do interesse dos empresários em criar modelos de negócios tokenizados que, do ponto de vista dos adquirentes, gera liquidez aos ativos e, do ponto de vista do emissor, contribui para a formação de capital.
Nesses procedimentos de emissão de tokens (ICOs) o emissor realiza a venda dos tokens para investidores/usuários, sendo aplicados, nesta oportunidade, certos descontos para estimular aqueles que acreditam na ascensão do projeto. Entretanto, existem casos em que as startups não possuem a quantidade de capital suficiente para finalizar o projeto antes do lançamento e, por isso, acabam realizando o ICO antes de a rede estar 100% pronta para uso e o token possuir uma utilidade genuína.
Esse cenário demanda uma atenção redobrada do empreendedor porque é possível que, em decorrência desta peculiaridade, a emissão seja considerada um contrato de investimento coletivo (CIC) e, portanto, um valor mobiliário, nos termos do Howey Test.
Como se sabe, de acordo com esse teste, uma oferta é considerada um CIC caso haja (I) um investimento em dinheiro por parte dos investidores (devendo o termo dinheiro ser interpretado em sentido amplo), (II) investido em um empreendimento comum, (III) com expectativa de lucro, (IV) lucro este que é derivado do esforço de terceiro ou do próprio promotor do projeto (valorizações decorrentes da lei da oferta e demanda – do próprio mercado – não é, por si só, fator hábil a promover a incidência deste ponto).
Logo, havendo a presença cumulativa de todos os requisitos o ofertante deverá cumprir as normas editadas pelo órgão responsável pelo mercado de valores mobiliários, bem como adequar-se aos requisitos dispostos na lei de mercado de capitais.
O ponto central envolvendo tokens pré-funcionais (sem utilidade genuína) é que eles podem viabilizar a incidência dos pontos III e IV do Howey Test, se tornando uma zona de risco para o projeto. É dizer, o regulador pode argumentar que, nesses cenários, os adquirentes de
tokens de utilidade (utility tokens) pré-funcionais dependem do esforço gerencial e técnico dos desenvolvedores para atribuir valor aos tokens.
Salienta-se que, assim como os tokens totalmente funcionais, em que o preço do ativo no mercado secundário depende de vários fatores, nos casos de tokens pré-funcionais há também uma variedade de situações que podem implicar na elevação ou depreciação da cotação do ativo. Entretanto, a aplicação dos esforços técnicos e gerenciais do emissor é provavelmente o fator determinante no preço de um token de utilidade pré-funcional.
É exatamente nesse cenário que o uso de um Simple Agreement for Future Token (SAFT) pode ser uma alternativa para evitar a infração à lei de valores mobiliários. Esse contrato não deve ser utilizado para tokens que são, por si só, considerados valores mobiliários, como ações ou debêntures tokenizadas – conforme art. 2º, I, da Lei nº 6.385/76, mas, tão somente, para aqueles tokens que foram estruturados para serem utility tokens.
Destaca-se, de logo, que o SAFT será considerado um contrato de investimento, ou seja, um valor mobiliário e, por isso, deve estar de acordo com a lei de valores mobiliários e somente deve ser contratado por investidores credenciados.
Esse contrato é uma adaptação do Simple Agreement for Future Equity (SAFE), do mercado tradicional, para modelos de negócios tokenizados. Ambos possuem a mesma lógica, que consiste na troca de capital de investimento em uma empresa em estágio inicial ou em desenvolvimento pelo direito de algo de valor no futuro, no caso do SAFT, tokens de utilidade.
Em síntese, o SAFT oferece aos investidores o direito futuro de receberem tokens de utilidade totalmente funcionais, os quais devem ser entregues assim que a rede for criada e os criptoativos possuírem uma utilidade genuína. Uma vez que os tokens tenham sido imbuídos de utilidade e sejam genuinamente funcionais, os direitos dos investidores no SAFT convertem-se, automaticamente, em um direito de entrega dos tokens.
Nesse momento, quando já adquirida uma funcionalidade, os tokens podem ser vendidos livremente para varejo, pois, muito provavelmente, serão encarados como verdadeiros tokens de utilidade.
É preciso ter em mente, ainda, que o SAFT implica em uma série de questões de natureza contábil, tributária e obrigacional, portanto os seus diversos impactos devem ser conhecidos pelo empreendedor antes de utilizá-lo.
Registre-se, por fim, que existe um procedimento específico para efetuar uma oferta mediante SAFT, por isso é interessante que a empresa esteja assessorada de profissionais qualificados tecnicamente para implementar todas as fases do procedimento.
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Jorge Barros
Advogado especializado em estruturação de
negócios Blockchain e na proteção de investidores
contra Golpes de Pirâmides Financeiras.
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