Com o advento da Lei 14.478/22, conhecida como “Marco Legal dos Criptoativos”, muito se cogitou quais empresas estariam sujeitas aos seus regramentos. É preciso destacar, de logo, que a Lei não é um fim em si mesma. Em verdade, ela traz regras
gerais que serão complementadas pelas normas específicas, as quais irão ser editadas em um futuro muito próximo pelo Banco Central do Brasil (Bacen).
No entanto, o Diploma traz definições e diretrizes importantes para os agentes que atuam no mercado de ativos digitais, dentre elas destacamos o conceito de “Prestadoras de Serviços de Ativos Digitais – Virtual Assets Services Providers (VASPs).
De acordo com a referida lei, considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executar, em nome de terceiro, ao menos um dos serviços listados nos incisos do seu art. quinto. Veja-se:
Considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:
I – Troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;
II – Troca entre um ou mais ativos virtuais;
III – Transferência de ativos virtuais;
IV – Custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que
possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou
V – Participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados
à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
Parágrafo Único: O órgão ou a entidade da Administração Pública federal indicado em ato do Poder Executivo poderá autorizar a realização de outros serviços que estejam, direta ou indiretamente, relacionados à atividade da prestadora de serviços de ativos virtuais de que trata o caput deste artigo Nesse contexto, o presente artigo busca responder a seguinte pergunta:
Sociedade Anônima de Capital Fechado, que realiza serviços de ativos virtuais em nome próprio, deve ser enquadrada como VASP, nos termos do art. 5° da Lei 14.478/2022?
Pois bem. Conforme verificado da leitura do art. 5º, da Lei nº 14.478/22, para que se observe a existência de uma prestadora de serviço de ativo virtual, é preciso que o agente preencha, de maneira cumulativa, todos os requisitos inseridos na norma, quais sejam,
(I) ser pessoa jurídica;
(II) prestar, pelo menos, um dos serviços indicados nosincisos do artigo quinto, da Lei 14.478/22,
(III) o qual deve ser prestado em nome de terceiro, seja esse terceiro pessoa física (consumidor/investidor) ou pessoa jurídica.
A partir desse cenário, suponhamos que uma S/A de capital fechado, constituída por múltiplos sócios, possua como objeto social a execução de operações com criptoativos em nome da própria sociedade.
Destaca-se, em relação a esse ponto, que, em regra, com a criação de uma sociedade há a criação de uma personalidade jurídica própria, isto é, a sociedade passa a ter uma existência jurídica que não se confunde com a de seus sócios. O mesmo ocorre com o seu patrimônio que, uma vez integralizado, passa a ser de propriedade da sociedade não podendo credores de quaisquer dos sócios (pessoas físicas) reivindica-los, ressalvadas as hipóteses legais.
Esse patrimônio social pode ser, inclusive, integralizado mediante a transferência de criptoativos para a sociedade, ativos digitais que podem servir para subsidiar as operações futuramente realizadas.1
Assim, tem-se que a relação entre os sócios e a sociedade é, nesse ponto, puramente empresarial. Em regra, os sócios terão, em razão da condição de acionista, o direito de receber eventual lucro que a sociedade tenha decorrente de suas operações, obviamente, proporcionais à sua participação na sociedade.
Logo, eventual lucro obtido será dividido entre os sócios em forma de dividendos. Cumpre mencionar, nesse aspecto, que, essencialmente, a remuneração através de dividendos ocorre quando há lucro, enquanto a remuneração dos sócios a título de pro labore decorreria de função exercida dentro da empresa. Ainda, enquanto esta é fixa e há cobrança de impostos, aquela é variável e não há incidência de impostos.
Nota-se, no entanto, que o lucro eventualmente recebido pelos sócios não decorre diretamente das operações, como se a sociedade tivesse uma dívida com os acionistas, mas do seu direito de receber parte do resultado econômico obtido pela sociedade, previsto no art. 109, I, da Lei de Sociedades Anônimas – LSA. A forma e periodicidade que esses lucros serão repassados para os sócios são matérias que precisam ser disciplinadas no documento social, visando amoldar essas questões a realidade operacional da empresa.
Em síntese, verifica-se que as negociações com criptoativos que forem realizadas pela pessoa jurídica serão executadas em nome da própria sociedade (ressalvada a hipótese indicada no parágrafo anterior), de modo que resta ausente o terceiro requisito necessário para ensejar a aplicação do art. 5º, da Lei 14.478/22, e, por consequência, impossibilita que a sociedade seja considerada uma prestadora de serviços de ativos virtuais.
Salienta-se, por fim, que é sempre importante buscar orientação jurídica especializada para análise minuciosa dos requisitos legais e suas aplicações em casos concretos, a fim de garantir o correto enquadramento e cumprimento das obrigações legais. Chama-se a atenção, também, para a necessidade da elaboração de documentos empresariais (contrato social e acordo de acionistas), além de códigos de conduta/segurança, tudo a fim de evitar que o atrito entre os sócios torne inviável a continuidade do negócio, sobretudo diante das peculiaridades inerentes aos ativos virtuais, o que reflete em questões envolvendo, por exemplo, a apuração de haveres e a custodia da chave privada.
1 Quanto a possibilidade de integralização de capital social com criptoativos sugere-se a leitura do seguinte artigo: https://criptojur.com/news/artigo-integralizacao-de-capital-social-com-criptoativos/ É importante mencionar, ainda, que, caso as regras contratualmente previstas sejam descumpridas, a ponto de ocorrer transferências informais entre a sociedade e os seus sócios, é possível se cogitar que, nesse caso, a sociedade opera como uma Prestadora de Serviços de Ativos Virtuais.
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Jorge Barros (instagram: jorgebarrosx)
– Advogado especialista no mercado de criptoativos e em estruturação de empresas Web 3.
Othavio Andrade (instagram: Othavio.andrade)
– Entusiasta do mercado de criptoativos.
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