Em fevereiro de 2025, a Securities and Exchange Commission (SEC), publicou uma declaração sobre o posicionamento da Comissão sobre as meme coins, com o propósito declarado de fornecer “maior clareza” aos participantes do mercado.
Apesar de a declaração trazer uma clareza global sobre o tratamento das meme coins, e as suas respectivas transações, aliviando a tensão dos participantes que emitem ou intermedeiam esse tipo de ativo, ainda deixa algumas lacunas sem conclusão. Além disso, ao final do presente texto, apresentamos considerações regulatórias adicionais para os participantes do mercado que realizam transações com moedas meme, bem como a potencial responsabilidade civil.
As meme coins, são moedas que não possuem fundamento algum, para fins de investimento. Elas costumam ter como característica uma alta volatilidade, sendo transacionadas apenas para fins de especulação. Para fins de exemplo, destaca-se as meme coins $DOGE; $SHIB; $PEPE; $TRUMP.
Ao enfrentar a matéria, envolvendo o eventual enquadramento das meme coins como securities (valores mobiliário), a SEC adotou uma classificação de meme coin que se caracteriza pela:
- Aquisição para entretenimento, interação social e fins culturais;
- Seu valor é impulsionado principalmente pela demanda e especulação do mercado;
- Elas têm pouca ou nenhuma funcionalidade;
- Seus preços tendem a ser significativamente voláteis;
- Eles frequentemente apresentam isenções de responsabilidade sobre sua utilidade limitada e riscos associados.
De acordo com o comunicado, esses ativos não são considerados valores mobiliários por duas grandes razões.
A primeira razão consiste no fato de que essas moedas não constituem nenhum dos instrumentos financeiros enumerados na Seção 2(a)(1) da Securities Act (Lei de Valores Mobiliários de 1933) e na Seção 3(a)(10) da Securities Exchange Act de 1934, sobretudo porque, entre outros pontos, não geram rendimento nem transferem direitos a rendimentos, lucros ou ativos futuros de uma empresa (emissora).
A segunda razão, por sua vez, está apoiada no não enquadramento desse tipo de ativo ao Howey Test, teste utilizado para verificar se um determinado ativo se trata de um Contrato de Investimento Coletivo. Esse teste analisa se certos acordos ou instrumentos são contratos de investimento com base na sua essência econômica.
Salienta-se, nesse aspecto, que a regulamentação brasileira, Lei 6.375/76, também aborda, em seu artigo 2º, quais são os valores mobiliários considerados pela legislação local, não havendo praticamente nenhuma previsão que possa se enquadrar as meme coins, com exceção da hipótese prevista no inciso IX, que elenca o conceito aberto de Contrato de Investimento Coletivo (CIC), criado à partir do teste de Howey.
Para ser considerado um CIC, de acordo com o Howey Test, é necessário que haja:
- Um investimento em Dinheiro;
- Investido em um empreendimento comum;
- Que gere a legítima expectativa de lucro ao investidor;
- Que o lucro seja preponderantemente derivado do esforço do empreendedor ou de terceiro;
- Oferta pública;
- Caráter Coletivo do investimento.
De acordo com a SEC não há como enquadrar as meme coins como CIC, pois, entre outras razões, não envolve um investimento em um empreendimento comum e não há nenhuma expectativa razoável correspondente de lucros derivados dos esforços de outros. Ao chegar a essa conclusão, a Comissão observa que o valor das moedas meme é derivado da negociação especulativa e do sentimento coletivo do mercado, como um item colecionável.
Sendo assim, as meme coins que possuam as características elencadas pela Comissão, não são consideradas valores mobiliários e, portanto, nem o emissor, nem o distribuidor, tampouco os agentes que transacionam esses ativos precisam se registrar junto a SEC e nem estão sujeitos às regras federais de valores mobiliários.
Contudo, destaca-se que a CVM dos EUA pontuou que alguns tokens podem ser emitidos como meme coins na tentativa de burlar a legislação de valores mobiliários, de forma que a análise precisa ser casuística, isto é, faz-se necessária a análise dos fatos específicos relacionados à moeda meme e à maneira como ela é oferecida e vendida.
A SEC deixou claro que meme coins que se enquadrem no conceito de CIC devem observar as normas de valores mobiliários dos EUA, ainda que sejam nomeadas como meme, na tentativa de burlar a regulação.
Como advogado, é preciso frisar que uma declaração serve como mera orientação interpretativa, que visa auxiliar na interpretação da aplicação da legislação a um caso em específico, não possuindo, contudo, força vinculante, de forma que o entendimento pode ser revisto.
Além disso, em uma ação judicial, é reservado ao Tribunal entender de maneira diversa àquele entendimento, pois possui a liberdade para a interpretação e consequente aplicação das normas federais à uma disputa em específico, em caso de litígio sobre a eventual enquadramento de uma meme coin como valor mobiliário.
A despeito de tal afirmação, fato é que a declaração em comento constitui um excelente começo de debate que auxilia, ainda que sob vários “e se”, na clareza de entendimento dessa classe de ativo.
Portanto, os participantes do mercado devem revisar cuidadosamente a declaração e realizar a análise específica dos fatos necessária para ter certeza de que uma moeda meme está dentro do escopo do entendimento firmado pela SEC na declaração.
Frisa-se, ainda, a necessidade de as pessoas envolvidas em projetos de meme coins estarem cientes de outras disposições legais, ainda que não inclua as regras de valores mobiliários. Inclusive, o Departamento de Serviços Financeiros de Nova York (“NYDFS”) publicou, recentemente, um alerta ao consumidor sobre moedas meme e observou que está monitorando de perto a recente e rápida proliferação de moedas virtuais baseadas em sentimento, comumente chamadas de ‘moedas meme.
De acordo com o NYDFS, essas moedas apresentam risco excepcional de fraude e perda de fundos. Além disso, de acordo com o NYDFS, muitas dessas moedas são pouco negociadas e envolvem concentração de propriedade, o que facilita a prática de “rug pulls” ou outros esquemas que beneficiam os promotores, podendo levar ao derretimento do preço do ativo.
Portanto, os participantes do mercado sujeitos à jurisdição do NYDFS devem ter o alerta do NYDFS em mente ao oferecer esses produtos aos consumidores e, de forma mais ampla, devem monitorar de perto alertas ou orientações adicionais relacionados a moedas meme emitidos por outros órgãos reguladores estaduais ou federais.
O mesmo acontece se a oferta for direcionada a outras jurisdições, ocasião em que se deverá observar os regramentos específicos de cada uma delas, visando manter a adequação legal.
Destaca-se, por fim, a necessidade de as pessoas envolvidas na emissão, distribuição ou promoção de moedas memes possuírem suporte jurídico, pois não é muito raro, investidores que se sentem prejudicados pela perda de seus recursos, buscarem arrumar um “bode expiatório” para tentar transportar a culpa pela má gestão dos seus fundos ou pela pouca ou nenhuma gestão de risco adotada nesses casos.
Apenas a título de exemplo, foi exatamente isso que aconteceu com a Pump.fun, uma plataforma financeira descentralizada que facilita a criação e a venda de moedas meme, quando, recentemente, foi processada, em duas ações coletivas movidas por diversos investidores, que alegam que as moedas meme em questão são valores mobiliários não registrados e que a Pump.Fun vendeu, promoveu ou solicitou a venda desses ativos em violação à Lei de Valores Mobiliários, além de classificarem a Pump.Fun como sendo integrante de um esquema de pump and dump.
Da mesma forma, os promotores do Projeto foram acusados e processados sob a alegação de que teriam alavancado as mídias sociais, conduzindo uma extensa campanha de marketing para criar uma expectativa razoável de lucros entre os investidores.
Destaca-se, por fim, que em algumas jurisdições, como Dubai, a atividade de marketing sobre ativos digitais, tal como uma meme coin, é regulada por regras próprias, razão pela qual é recomendável a sua observância, para fins de compliance pelos promotores de um determinado projeto.
Isso mostra que apesar de as normas de valores mobiliários não terem, em regra, incidência sobre esses ativos, outras regras consumeristas, civis e/ou penas devem ser observadas, visando evitar entraves jurídicos.
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Jorge Barros é advogado especializado em Estruturação e Adequação Jurídica de empresas do Mercado de Ativos Virtuais, e em direito societário/empresarial. É também fundador do portal CriptoJur (criptojur.com). Instagram: @jorgebarrosadvogado.
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